Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

domingo, 28 de fevereiro de 2010

ALGUNS DOS MEUS MESTRES - Parte II - Georges Sadoul e Marcel Martin




a foto é minha

UP IN THE AIR (Nas Nuvens), de Jason Reitman

“UP IN THE AIR” (Nas Nuvens), de Jason Reitman (CAN), *** (3)

O Reitman junior (Montreal, 1977), depois do relativo sucesso com “Juno”, fez um novo e interessante filme, que beneficiou muito do desempenho de George Clooney, no papel de um quadro das empresas que se especializam na concretização das chamadas “reorganizações”, que na prática se traduzem em muitos despedimentos.
Infelizmente conheci quadros desses, quando passei por isso nos anos 90, em pleno cavaquismo, com o início das pré-reformas, das rescisões de contratos de trabalho e dos despedimentos, situação que a partir daí não parou de se agravar. E as pretensas justificações não diferiam das de hoje.
Digamos que, de facto, é preciso “andar nas nuvens” para que essa gente não se aperceba da fealdade, e das más consequências, da tarefa de que foi encarregada. E é assustador o cinismo dos responsáveis, quando alguém, entre as vítimas, comete um acto desesperado. Ou quando aplicam aos seus próprios lacaios a mesma receita…
O filme é no entanto algo frouxo na crítica, sendo aceite como uma “obra humanista”, por acabar por chamar a atenção para os maus tempos que correm (e, por isso, até os mais conservadores aplaudem…) (vide “DN” ou “Premiere”).
Depois da projecção pensei, por comparação, na peça “Contracções”, do jovem dramaturgo inglês Mike Bartlett, que havia visto no Verão passado encenada por Solveig Nordlund, e que é muito mais violenta na crítica anti-neo-liberal.
O pai, Ivan Reitman, participa na produção do filme de Jason.
A ver.
*** (3)

O MENTIROSO, de Carlo Goldoni

“O MENTIROSO” (Il Bugiardo), de Carlo Goldoni, encenado por Armando Caldas, para a companhia “Intervalo – Grupo de Teatro”, no Auditório Lourdes Norberto, em Linda-a-Velha, **** (4)

É uma das mais conhecidas entre as 50 comédias escritas pelo famoso dramaturgo italiano, Carlo Goldoni, nascido em Veneza em 1701 e falecido em França em 1793.

O “Intervalo” criou, uma vez mais, um espectáculo que muito nos diverte, com sorrisos do princípio ao fim e algumas gargalhadas pelo meio, também porque, as peças deste autor, filiadas na “Comédia dell’Arte”, corrente do teatro popular dos séculos XVI e XVII, têm, pela caracterização das personagens, um universalismo que permanece actual.

A companhia havia já apresentado esta peça em 1999, também com encenação de Armando Caldas, com o mesmo cenário de Octávio Clérigo, que continua a suscitar-nos grande admiração pela sua beleza (tal como então, quando provocou palmas assim que o pano abriu, como o encenador recorda no programa do espectáculo de agora).

Existem algumas traduções de várias peças de Goldoni (a última das quais suponho que seja a recentíssima, em 2008, de Jorge Silva Melo, o que mostra como Goldoni continua a suscitar o nosso interesse). Para “O Mentiroso” foi todavia utilizada a tradução de Grazia Maria Saviotti.

Relembre-se a propósito (como referido no programa), que foi o marido, Gino Saviotti, quem encenou a primeira apresentação desta peça em Portugal, com a companhia “Teatro de Sempre”, em 1958, sendo Armando Caldas um dos actores (Florindo). O grande actor Rogério Paulo (Lélio) escreveu então algumas notas sobre o teatro de Goldoni, que o programa do “Intervalo” transcreve e, por favor, não deixem de ler!

Recorde-se também a colaboração de Grazia e Gino Saviotti (“História do Teatro Italiano” e “Obras-Primas do Teatro Italiano”), numa das mais famosas colecções de Divulgação Cultural (em todos os domínios - científico, artístico, sociológico, político), a inesquecível Biblioteca Cosmos, dirigida por Bento de Jesus Caraça, publicada apesar da feroz censura fascista existente em meados do Século XX em Portugal.

Uma palavra é devida ao bom gosto da encenação e ao trabalho dos actores, bastante coeso como é timbre do grupo, mas com o destaque óbvio para os principais personagens desta comédia – o Doutor Balanzoni (João Pinho), Pantalão (Fernando Tavares Marques) e Lélio (Carlos Paiva).

A não perder.
**** (4)


EXPOSIÇÃO

Já que vamos a Linda-a-Velha, não deixar de ver, em Algés, no Parque Anjos – Centro de Arte Manuel de Brito (onde o Grupo de Teatro já esteve sediado, então com o nome de “Primeiro Acto”) uma magnífica exposição, de e sobre um dos grandes gravadores portugueses, Bartolomeu Cid dos Santos (1931-2008). Relembre-se a propósito o magnífico filme que sobre ele fez Jorge Silva Melo, “Por Terras Devastadas”. (exposição até 16 de Maio)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

NOTÍCIAS

PRÉMIOS

-Da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA)

Finalmente uns Prémios a merecer o nosso interesse (e transmitidos em horário nobre na TV…).
Dos vários premiados, e nas artes que mais seguimos, saliência para o Cinema, onde Margarida Carvalho (extraordinária em “Veneno Cura”, de Raquel Freire, um dos bons filmes de 2009), e João Lagarto (no também muito interessante “4 Copas”, de Manuel Mozos) foram considerados os melhores do ano – actriz e actor, em dois filmes, de verdadeiros Autores que, em minha opinião, ultrapassaram largamente a mediania.
Mas houve outros criadores que muito apreciamos, também premiados – Paula Rego e a sua Casa das Histórias (por favor não percam!), Eduardo Gageiro (um dos grandes nomes da nossa, e não só, Cultura), Júlio Pomar (Prémio Vida e Obra), Quarteto Lopes Graça (Música Erudita), Cristina Branco (Melhor Canção), Madalena Vitorino (Dança), etc.
E até no teatro, onde os gostos subjectivos do júri muito pesam, um prémio (cenografia) para a magnífica “Uma Longa Jornada Para a Noite”, encenada por Rogério de Carvalho, para a CTA.
Espero que estes Prémios Nacionais do SPA se venham a tornar uma referência, combatendo a pobreza (e até, às vezes, mediocridade) de outros eventos do género.

-Prémio Internacional Resistência e Liberdade, atribuído pelos Governos das Astúrias e Ilhas Baleares.

Com José Saramago como presidente do júri, atribuído à activista saaraui, pela libertação do seu país, Saara Ocidental, Aminetu Haidar.

HOMENAGENS A GRANDES FIGURAS DA NOSSA CULTURA

A João de Freitas Branco, em 28 de Fevereiro de 2010, nos 20 anos do seu falecimento, em sessão organizada pelo Sector Intelectual de Lisboa do PCP, no Palácio Foz.

OUTRAS NOTÍCIAS


ROMAN POLANSKI

O famoso realizador polaco, que os norte-americanos perseguem desde 1977, como “gato a bofe”, por pretensas imoralidades, e que um juiz suíço, provavelmente em busca de notoriedade, resolveu (?) processar (com tantos efectivos criminosos a passearem-se à vontade por ali, por aí ou até por aqui !!!…), apresentou (embora impedido de se deslocar fisicamente) o seu último filme, em Berlim, no Festival de Cinema. Chama-se “THE GHOST WRITER”, e foi aplaudido na BERLINALE. Será que virá até ao nosso país, ou a nossa actual condição de colonizados não nos vai permitir vê-lo?

KEN LOACH 

Não falhar o seu “O Meu Amigo Eric”, filmado em Manchester, com o astro francês do futebol e não só (música, cinema e teatro) Eric Cantona. A propósito, deploro a existência de violência no desporto, nomeadamente no futebol (uma das razões porque, apesar de gostar muito desse jogo, deixei praticamente de assistir). Detesto os hooligans e as suas claques, com infiltrações fascistas e neo-nazis no mundo do desporto. Por isso, por uma vez, gostei da resposta de Cantona ao insulto do membro de uma dessas claques, em Inglaterra.

MANUELA DE AZEVEDO

Aos 98 anos, jornalista activa desde 1934, no jornal “República”, publica “Memória de Uma Mulher de Letras”. O “DN” publicou a sua foto, a autografar a obra na respectiva sessão de apresentação. A não perder, principalmente para quem como nós a tentou ler sempre, pelas suas críticas teatrais de grande qualidade.

HAROLD PINTER 

O famoso dramaturgo, escritor e argumentista de cinema (e também realizador), prémio Nobel da Literatura em 2005, falecido em Dezembro de 2008, vítima de cancro, na sua Londres natal, onde nascera em 20 de Outubro de 1930, vivia desde 1975 com a escritora Antonia Fraser (com título de Lady, para os que ainda se impressionam com essas coisas), e casaram em 1980. Agora a sua companheira fala sobre aquele que foi um dos maiores dramaturgos do Século XX (e um dos de quem mais gostamos).
As encenações de algumas das suas peças, entre nós, por Artur Ramos e Jorge Silva Melo, são inesquecíveis – “O Encarregado”, Um Para o Caminho”, “A Colecção”.
Os argumentos para as obras-primas de Joseph Losey, “O Criado” (The Servant) e “Acidente” (Accident), e as adaptações ao cinema de “Go-Between” (para Joseh Losey) e “A Amante do Tenente Francês” (para Karel Reisz), resultaram em obras extraordinárias.
(Ler entrevista à escritora na “Pública”, de 14fev10)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

WHATEVER WORKS, de Woody Allen

“WHATEVER WORKS” (Tant que ça marche) (Tudo Pode Dar Certo), de Woody Allen, **** (4)

Após um belo périplo europeu, eis o regresso do famoso autor (cineasta e escritor), Woody Allen, a Nova Iorque (depois do Bush ter sido corrido! Mas atenção que o sucessor desilude a alta velocidade… embora este seja um bom bocado mais inteligente). Outra pequena maravilha, deste mago do cinema, que nos consegue fazer sorrir durante mais de uma hora das “pequenas desgraças” (também nossas) que nos rodeiam.

Não vos vou revelar a história, para poderem rir tanto quanto eu me ri, por exemplo com a impagável evolução do casal bushiano! Lembrar apenas, fazendo minhas as palavras sábias do crítico, que Boris Yelnikoff (brilhante interpretação de Larry David) “é um poço de agressividade e má disposição. Mas é também alguém de quem nos vamos sentindo cada vez mais próximos, porventura cúmplices. Porquê? Porque há nele um desejo de verdade que não pactua com hipocrisias afectivas e cinismos sociais” (João Lopes, DN, 4-Fev-10).

O filme não deixa de ser também uma boa mensagem para os pessimistas e niilistas, em que, às vezes, muitos de nós nos vamos transformando, perante os medíocres tempos que vão correndo, por esta velha Europa ou pelos EUA. Claro que aqueles de quem Woody Allen se ri (e de si próprio, também), mas em geral sempre com a bonomia habitual, acham que o filme tem “uma linha de raciocínio cativante (embora às vezes maçuda) ” (Destak). Posso rir-me?

Como quase sempre nos filmes realizados por este cineasta, assim que terminou a projecção, tive vontade de comprar bilhete para a sessão seguinte! Por isso deixem os “avatares e companhia” e divirtam-se com inteligência, embora o tema seja no fundo bem mais sério do que possa parecer á primeira vista. 

E não deixem de ler as suas três peças em um acto, publicadas recentemente sob o título de INFIDELIDADES (título original "Three One-Act Plays", publicado em 2003 pela Random House, NYC), pela Relógio de Água Editores (Outubro de 2009). Não consegui deixar de soltar umas boas gargalhadas.
**** (4)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

TEATRO - A MÃE, de Bertold Brecht, pela CTA

“A MÃE”, de Bertold Brecht, encenado por Joaquim Benite, para a Companhia de Teatro de Almada, no TMA (Teatro Municipal de Almada), ***** (5)

Mais um magnífico espectáculo daquela que é, creio que sem dúvida, uma das nossas (e não só) melhores companhias de teatro. Foi a sua 121ª produção. E, à mesma hora, na sala experimental do mesmo teatro - Municipal de Almada, representava-se também “Uma Visita Inoportuna” (1987), de Copi, que ainda não vimos mas tencionamos. 

Numa peça escrita em 1931-32, Brecht adapta o famoso romance homónimo, publicado em 1906, por Máximo Gorki  (“uma saga por vezes feminista como «A Mãe» e, na sua riqueza telúrica, simplesmente sublime”, Urbano Tavares Rodrigues, Dez2009), mas alterando-lhe o final e fazendo Pelagea Vlassova, a Mãe, (excepcional Teresa Gafeira, uma vez mais) sobreviver e assistir à Revolução triunfante pela qual o filho, Pavel, e os seus camaradas, e depois ela própria, tanto lutaram. 

Peça extremamente rica, dividida em 14 cenas, que continua a poder ser aplicável à realidade que nos rodeia, quase um século depois de ter sido escrita – a luta pelo fim da exploração, pelo direito ao trabalho, a luta de classes. Mãe e filho, cuja vida e comportamento se interpenetram. Uma dando-lhe origem e formação nos primeiros anos de vida, outro, de quem mais tarde ela receberá exemplos, que a levarão a transformar-se e a substituí-lo quando sucumbe varado pelas balas da repressão. (ler artigo de Roland Barthes no programa do espectáculo)

A música de Hanns Eisler (de quem ouvimos algumas canções por ele musicadas, noutro extraordinário espectáculo, “Canções de Brecht”, também pela CTA) é tocada ao vivo (acordeão, trompete e percussão) e dirigida pelo maestro Fernando Fontes. O cenário, extremamente eficaz, simultaneamente na representação da entrada da fábrica, das casas despojadas, dos seus operários ou do refeitório de uma herdade, é de Jean-Guy Lecat, uma vez mais a colaborar com a companhia. Um grupo de 18 actores, muito coeso e magnífico, dá corpo e voz aos personagens criados por Brecht, em que avulta, pela dimensão da personagem, a Mãe, Pelagia Vlassova, admiravelmente interpretada por Teresa Gafeira. 

Sala cheia, para assistir a uma peça que hoje, como dantes, faz pensar. “Aliás, a revolução não é coisa para um país com gente desta. O russo nunca fará uma revolução” (O Professor, Nikolai Vessovchikov) (Marques d’Arede em outro magnífico desempenho). No entanto também ele irá mudar e assistir à vitória da Revolução de Outubro, em 7 de Novembro de 1917.A tradução é de Yvette K.Centeno (“rigor e excepcional qualidade literária”, Joaquim Benite, em entrevista a Miguel-Pedro Quadrio no “MAIS TMA”, onde aliás o encenador define com muita clareza o “distanciamento” ou “efeitos de estranheza”, no teatro de Brecht).

Bertold Brecht (Augsburg, 1898 – Berlim Oriental, 1956) dirigiu esta peça em 1932, em Berlim, com a sua mulher, a actriz Helene Weigel, no principal papel. Um ano depois os nazis chegam ao poder e Brecht vai para o exílio, só regressando definitivamente ao seu país natal, então República Democrática Alemã, em 1949, onde em 1951 dirige, para a companhia que entretanto criou, o famoso “Berliner Ensemble”, uma nova versão de “A Mãe”.(dados retirados do programa do TMA) 

***** (5)

sábado, 6 de fevereiro de 2010

INVICTUS, de Clint Eastwood


“INVICTUS”, de Clint Eastwood, (EUA), **** (4) 

Com argumento do jornalista londrino John Carlin, trata-se um excelente filme sobre Nelson Mandela e os Springboks (selecção nacional de râguebi), que mostra como o Presidente da República da África do Sul, eleito após a queda do horrível e desumano regime racista do Apartheid, conseguiu mobilizar a, naquela época, muito pouco amada equipa nacional de râguebi (por ser constituída quase só por atletas brancos e representante de um desporto então muito elitista) para a conquista do Campeonato Mundial da modalidade, que em 1995 se realizou naquele grande país africano.
Elegia de Mandela, feita com o grande “savoir-faire” de Eastwood, teria forçosamente que dividir uma crítica de cinema, que é infelizmente maioritariamente conservadora nos tempos que correm. Os “incondicionais” (por motivos que terão pouco a ver com cinema) do cineasta, relevam o filme para a categoria dos dispensáveis (“retrato deferente de Nelson Mandela”, EB, "DN"), outros colocam-no no topo das obras do cineasta (“um dos seus grandes filmes”, JA, "JN") (“CE preserva deste modo, os valores clássicos de Hollywood que encarnam na referência tutelar de John Ford”, JL, "DN"). 
Cinema clássico, de facto, que consegue emocionar os espectadores, tocados pela grandeza do líder sul-africano, grandeza que começa a ser rara nos tempos que correm, pelo menos nesta Europa onde vivemos. 

Eastwood, de quem gostamos muito em meia dúzia de obras, entre as quais incluímos “Mystic River” (inquietante olhar sobre a realidade norte-americana), “The Bridges of Madison County” (melodrama clássico, com a maravilhosa Meryl Streep), “Million Dollar Baby” (nostálgico e trágico), “White Hunter, Black Heart” (homenagem a John Huston), “Unforgiven” (uma brilhante incursão pelo western clássico), realiza com “Invictus” mais uma obra para incluir nesse lote de magníficos filmes. 

É também um belo filme sobre Desporto, com excelente imagens do jogo, que até parecem reais.

Os principais actores, Morgan Freeman (Nelson Mandela) e Matt Damon (François Pineaar, capitão dos “Springboks”) são brilhantes, muito bem acompanhados por vários secundários. 

Deixem-me só concluir que o jogo, acabou com 15-12, após prolongamento, e conseguido só através de pontapés de penalidade, já que nenhum ensaio foi conseguido! E que também fui dos que assistiram com grande emoção, pela TV, à transmissão da final e tenho os momentos mais significativos gravados em vídeo, directamente em VHS! Mas não é só por isso que gosto muito desta última obra do octogenário realizador norte-americano.**** (4)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

REQUIEM POR UMA SALA

Por mais uma sala de cinema desaparecida - NIMAS

A nossa vida cinéfila (tal como a outra, a principal) é atravessada por desaparecimentos que lamentamos (muitos!) e nascimentos que nos enchem de júbilo (poucos! Ainda assistirei a mais algum?).

Vimos no NIMAS grandes filmes. Era uma belíssima sala. Que pena ter acabado!





"DAS WEISSE BAND" (O Laço Branco), de Michael Haneke

“DAS WEISSE BAND – Eine Deutsche Kindergeschichte” (O Laço Branco), (AUS) de Michael Haneke, ***** (5)

Mais uma obra-prima do cineasta austríaco, ao nível do seu famoso “CACHÉ” (Nada a Esconder). Tal como Lars Von Trier, trata-se de um autor, no sentido comum da definição. Não deixa de ser curioso que estas duas obras, embora esteticamente nos antípodas, tenham um fundamento sociológico semelhante. Tal como em “Anticristo”, o que está em causa em “O Laço Branco”, é uma sociedade profundamente marcada por um autoritarismo paternal, que atinge todas as formas de educação, e que resulta da rigidez moral de cariz religioso.

De certa maneira o que Haneke nos vem dizer é que as gerações que apoiaram o nazismo, sofreram esta influência e por isso se puderam tornar tão perigosamente radicais duas ou três décadas depois. Embora a obra se passe antes do início da 1ª Grande Guerra e termine aliás com o atentado de Serajevo e o início do conflito e da escalada militar do imperialismo alemão, alguém se referiu à actualidade, dizendo que a situação actual, por exemplo no Irão, com os seus líderes religiosos, e a sua repressão moral, tem semelhança com o que se passou na Europa Central nesses anos. 

Aos que, às vezes, parecem esquecidos, relembro que o que torna o nazismo tão horrível é que mais que uma simples ditadura apoiada pelo grande capital, repressiva e terrorista, o nazismo montou uma bem oleada máquina de extermínio, com os seus fornos crematórios e os seus instrumentos de assassínio em massa, em que sistematicamente tentou liquidar todos os que politicamente se opunham, e colocou em prática também um extermínio baseado principalmente no racismo – judeus, ciganos e outros minorias. Isto, de facto, só é comparável na História da Humanidade, pela dimensão, ao que a Igreja Católica fez com a Inquisição. Mas também lembra Pinochet no Chile, Saddam no Iraque ou Suharto na Indonésia, que chegaram ao poder eliminando milhares de militantes e simpatizantes comunistas ou de esquerda (e todas essas situações foram apoiadas pela política norte-americana!). O genocídio que o governo israelita comete actualmente na Palestina, com o apoio do fundamentalismo judeu, contra o povo palestino, assume principalmente aspectos, embora não menos graves, de racismo e desprezo pelos direitos humanos. 

A obra de Haneke, num preto e branco maravilhosamente filmado por Christian Berger, prende-nos irresistivelmente do primeiro ao último fotograma, num estilo quase sempre muito clássico. Como noutros filmes do cineasta não há respostas claras. Mas no final, embora possamos ainda ter dúvidas quanto a muitos dos aspectos da história contada por Haneke (que ele deliberadamente deixa em aberto), a tese do cineasta e argumentista é compreensível e lógica. Outro aspecto curioso é o modo hábil como o realizador nos faz seguir o filme, levando-nos por vezes num sentido errado, mas que depressa compreendemos, como quando os espectadores suspeitam que o mentor religioso (e ideológico) da aldeia, e seu pastor, se prepara para sodomizar o filho, como se (para o espectador) nenhum valor restasse numa sociedade regida pela repressão e pela hipocrisia. Fez-me pensar também em David Lynch, quando as aparências sociais se quebram e o que está por baixo se revela em toda a sua crueza - a pedofilia, o incesto, as vulnerabilidades na mansão senhorial, que no entanto exerce uma disciplina férrea sobre os camponeses, seus dependentes e que constituem a maioria da população (toda a família irá ser castigada pela revolta manifestada pelo jovem aldeão contra os Senhores, que considera responsáveis pela morte da mãe, e ocasionará o suicídio do pai). Mentes deformadas irão pretender castigar os infractores à moral rigidamente estabelecida, mesmo que através de vítimas inocentes e indefesas – a criança deficiente ou o pequeno filho dos barões. 
Os actores, incluindo as crianças, são magníficos. E espero que tenham reparado no nome de Jean-Claude Carrière, no genérico, como consultor para o argumento, aval de qualidade. A não perder.
***** (5)

ANTI-CHRIST, de Lars Von Trier

"Anti-Christ", de Lars Von Trier (DIN), ** (2)

Como já se tornou hábito as obras do realizador dinamarquês Von Trier dividem os espectadores e os críticos de cinema – “Génio do mal (o realizador)” chama-lhe Manuel Halpern no JL (que  saudades do Rodrigues da Silva!), e no DN, uns consideram o filme mau ("arbitrário, caótico, risível, transgressor e chocante" ou, por outras palavras, “quando lhe dá para a birra anti-social ou política, é mau, muito mau” e dão como exemplo do pior o que era magnífico, em minha opinião, “Dancer in the Dark”!!!) (mas aí as razões serão diferentes), outros consideram “Anticristo” como excepcional (João Lopes, aliás o melhor crítico de cinema daquele matutino). E até Michel Ciment, um estrénuo defensor de um cinema de qualidade, deplora que este filme signifique “Quanta decepção, por um cineasta em que tanto havíamos acreditado!” (Positif, nº581/582)
Uma coisa é certa: “Anticristo” não é aconselhável a espíritos fracos e impressionáveis e é principalmente recomendável a adultos com suficiente maturidade e que gostem muito de cinema e certamente aos meus amigos da Psicologia!

Parece que Von Trier se quer transformar num “cineasta maldito”. Poucas vezes o cinema teve cenas que horrorizassem tanto os espectadores como nesta obra, em que um casal que perde um filho ainda bebé, numa situação de que se sentem algo culpados, e sendo o marido psicólogo, se lança numa tentativa de tratamento da situação traumática criada pela perda e pelo sentimento de culpa. “A única maneira de controlar o medo é afrontá-lo.”

Cinema de autor, por vezes extraordinariamente bem filmado, faz lembrar certos “pesadelos” nórdicos (Munch e outros, também no cinema), em que a rigidez moral da influência das igrejas, conduz a comportamentos extremos, fundamentalistas, em que a histeria está omnipresente. E também, na segunda parte da obra, a uma enorme misoginia, tal como nas igrejas. “A Natureza é a igreja de Satanás”, a culpa é dos homens.

Quase como se Von Trier tentasse, com este filme, uma espécie de catarse, em relação à carga psicológica de uma educação resultante dos preconceitos, que marca, ainda hoje, muitas consciências. Também por isso, o sexo surge no filme, explícito e avassalador, em imagens por vezes de grande intensidade. O realizador filma os extremos – o clímax do prazer e da dor, e os seus praticamente dois únicos actores, Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, são simplesmente brilhantes.
** (2)