Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

sexta-feira, 18 de junho de 2010

IN MEMORIAM - JOSÉ SARAMAGO

JOSÉ SARAMAGO (Azinhaga, 1922 - Lanzarote, 2010)

Foi um grande escritor universal, que escreveu em português. Como seu leitor impenitente lamento profundamente o seu desaparecimento. Mas era também enorme a admiração que tinha pelo cidadão, pelo estrénuo combatente por todas as grandes causas em defesa do Homem, pelo revolucionário, membro do PCP, que nunca abdicou e se manteve coerente até ao fim da sua vida. 

E trabalhou, escrevendo, até aos seus últimos dias, prosseguindo sempre o projecto de finalizar mais uma obra.
No cinema, a melhor e mais conhecida das adaptações da sua obra é o magnífico "Ensaio Sobre a Cegueira",  do famoso cineasta brasileiro Fernando Meirelles (celebrado autor de "Cidade de Deus" e "O Fiel Jardineiro"), que teve honras de abertura no Festival de Cannes e de que pessoalmente gostei muito (ver apreciação pessoal algures neste blogue).

Dada a grandeza da personalidade, basta esta pequena homenagem de um modesto leitor e admirador.
Mas gostaria de fechar com a frase inicial do célebre discurso, pronunciado na Academia Sueca, em Estocolmo, no dia em que recebeu o Prémio Nobel da Literatura, em 7 de Dezembro de 1998, que sintetiza o humanismo, o carácter e a grandeza de José Saramago.

"O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever"




terça-feira, 15 de junho de 2010

IL SECRETO DE SUS OJOS, de Juan José Campanella

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“SECRETO DE SUS OJOS (IL)” (O Segredo dos Seus Olhos), de
JUAN JOSÉ CAMPANELLA,  (ARG), **** (4)

Da Argentina chega-nos outro filme magnífico, do autor do famoso “O Filho da Noiva” entre outras obras que infelizmente não conhecemos porque não exibidas comercialmente em Portugal.
Foi oscarizado em 2010 (Melhor Filme Estrangeiro), em competição com grandes filmes, como o extraordinário “O Laço Branco”, do austríaco Michael Haneke, mas não é isso, obviamente, que faz dele uma obra notável.
É antes o ser um thriller intenso, embora conheçamos cedo a identidade do principal criminoso. Só que a busca de justiça e das provas necessárias à sua consecução, se faz nos meandros de um sistema judicial, e social que, tal como o nosso foi em tempos idos (durante o fascismo) e, de outra maneira, nos actuais, depende do poder político, que o instrumentaliza conforme os seus interesses imediatos ou dos poderosos.
No caso da Argentina, as épocas fascizantes do peronismo e, mais tarde, da ditadura dos militares reaccionários, estão presentes no filme, como pano de fundo, que Campanella soube criar, tal como o havia feito na sua anterior e já citada obra.
As interpretações são soberbas, com especial relevo para os dois principais personagens – o da promotora pública, que Soledad Vilamil representa nas suas várias faces, por vezes fascinantes, e Ricardo Darín, que é excepcional no papel do detective reformado, que não gosta de desistir, mesmo que tenha que esperar vinte e cinco anos para que todas as dúvidas fiquem esclarecidas. Um grande actor, como já sabíamos desde que o víramos em “O Filho da Noiva” e numa outra obra, injusta ou deliberadamente esquecida pela crítica que temos, do também argentino Marcelo Pyñeiro, “Kamchatka”, um belo e brilhante filme sobre a trágica e dolorosa época dos crimes da ditadura militar de extrema-direita, com os seus milhares de assassinatos e desaparecimentos (relembremos as “Mães da Praça de Maio”, em busca dos filhos desaparecidos) que desfizeram famílias para sempre.
“O Segredo dos Seus Olhos” tem várias cenas ao nível do melhor thriller de acção, como a da perseguição no estádio de futebol (de Huracan), magnificamente concebida e realizada, dando ao mesmo tempo a imagem do entusiasmo dos argentinos por esse desporto de massas, que tem como principal figura o genial antigo jogador, e agora seleccionador nacional, Maradona, que no entanto ultrapassa em muito como personalidade o mero “artista da bola”
**** (4)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

IO SONO L'AMORE, de Luca Guadagnino

“IO SONO L’AMORE” (Eu Sou o Amor), de Luca Guadagnino, (ITA), **** (4)

É a primeira obra notável na curta filmografia deste cineasta siciliano (Palermo, 1971).
Trata-se de melodrama e tragédia no seio de uma abastada família de industriais têxteis milaneses.
No início do filme, o velho dono da indústria, que fez a fortuna da família, é homenageado com um jantar, pelos filhos e netos, no dia do seu aniversário, no qual anuncia quem o substituirá - o filho Tancredo e o neto Edo (Eduardo). Algum tempo depois morre.
A história do filme centra-se na mulher de Tancredo, Emma, de origem russa, que se irá apaixonar por um amigo do filho, jovem cozinheiro, da idade deste, desejando os dois jovens abrir um restaurante, num projecto comum. No entanto o “reacender” do desejo sexual nesta mulher de meia-idade, vai desencadear uma série de acontecimentos que redundarão em tragédia. Como quase todos já salientaram, existe uma parte do filme, nas cenas entre os dois amantes, nas paisagens belas e sensuais da Riviera italiana, que fazem lembrar Lady Chatterley, e em especial a belíssima versão da cineasta francesa Pascale Ferran.
O filme é quase melodrama puro, cinematograficamente muito bem contado, com uma excepcional interpretação da versátil actriz Tilda Swinton. Relembremos apenas dois dos seus melhores papéis, o famoso “Orlando”, realizado por Sally Potter e o magnífico “Michael Clayton”, de Tony Gilroy.
Um conjunto de interpretações excelente rodeia-a, com a curiosidade de o marido de Emma, e herdeiro da fortuna e da indústria dos Recchi, Tancredo, ser o famoso actor e encenador, e um dos principais nomes do moderno teatro italiano, que já vimos em Portugal, nomeadamente no Festival de Teatro de Almada, Pippo Delbono.
A intriga atinge o clímax nas sequências finais, com forte intensidade emocional, tudo muito contido, como convém numa família em que se preza acima de tudo as aparências.
As conotações de classe social são no entanto dadas crua e violentamente, na cena final ente Emma e Tancredo:  “Tu não existes!”, ou, se calhar melhor, “Deixaste de existir!”.
**** (4)

sábado, 5 de junho de 2010

VINCERE, de Marco Bellocchio


“VINCERE” (Vencer), de Marco Bellocchio, *** (3)

Em estilo de drama passional, são episódios da vida amorosa do ditador fascista Benito Mussolini (1883-1945), expulso do Partido Socialista por defender a intervenção na Primeira Grande Guerra (1914-18). Em 1922, após marcha sobre Roma, chega ao poder e a partir de 1925 fá-lo ditatorialmente. Em 1929 cria o Estado da Santa Sé, com sede no Vaticano. Invade a Etiópia (1935-36), enquanto Hitler faz o mesmo em Espanha (1936-38), com o apoio de Mussolini, colocando os fascistas de Franco no poder. Depois de invadir a Albania em 1939, e depois da ocupação de França pelos nazis, alia-se formalmente a estes na Segunda Grande Guerra (1939-45). Com as sucessivas derrotas do nazi-fascismo foi finalmente capturado pela Resistência em 1945 e executado.
Sem o fulgor de outras obras do cineasta, como o excelente “Bom Dia, Noite”, sobre o sequestro e assassinato do político conservador Aldo Moro, pelas Brigadas Vermelhas, acontecimento que correspondeu aos desejo da ultra-direita italiana. No entanto a obra tem a marca do estilo do realizador e vê-se com interesse.
Drama que passa pela eliminação física, durante a 2ªGrande Guerra, da sua suposta primeira mulher (decisiva na sua ascensão, de acordo com o filme) e respectivo filho, encerrados em hospícios de onde dificilmente se saía com vida, depois de renegados por Mussolini, segundo Bellocchio. Excelente interpretação de Giovanna Mezziogiorno, na amante desprezada, que reivindica o reconhecimento do casamento.
No entanto o filme tem dois ou três apontamentos merecedores de nota – a provocação radical de Mussolini aos homens da Igreja, a propósito da existência de Deus, que marca o início da obra, parece perdoada e esquecida a partir do momento em que ele cria em 1929, quatro anos depois de se tornar ditador, o Estado da Santa Sé, passando a partir daí a contar com o apoio declarado da Igreja Católica ao seu regime fascista. Aliás como aconteceu no resto da Europa, em relação ao fascismo.
Bellocchio, parece querer confirmar, com a última frase do seu filme, que afinal tiveram que ser os militantes da Resistência, a fazer justiça.
Sobre o radicalismo e de como muda tantas de vezes de campo, estamos nós fartos de saber, seguindo as últimas décadas da história portuguesa, indo até aos mais altos cargos da política – presidência da CE…
Falta ao filme um maior enquadramento das razões económicas e sociais da ascensão dos fascistas em Itália e do que foi depois o regime de terror por eles instaurado, aliás bem documentado na literatura e também no cinema, em várias obras maiores (Pasolini, Visconti, Bertolucci, Fellini, Zurlini, Maselli, Rosselini, Tornatore, Pontecorvo, Montaldo, etc, etc)
*** (3)
 Adenda:
1-“Como é que todas aquelas pessoas puderam acreditar num palhaço daqueles?” (…) “Mas eu pessoalmente interrogo-me: e como é possível que hoje acreditemos noutros palhaços (como Berlusconi)? E no entanto acreditamos” (Filipo Timi, o actor que faz de Mussolini) (citado por Alexandra Prado Coelho, “Público”, 28mai10)
2-“Conheci o cinema que se fazia com as câmaras montadas sobre carris, agora faz-se tudo com máquinas cada vez mais pequenas. Godard rodou com uma máquina fotográfica… As televisões comandam num certo sentido. E nesse sentido, o cinema já mudou: a possibilidade técnica de fazer um filme com meios cada vez mais minimais determinará o estilo e o gosto – e já o faz. “ (Marco Bellocchio, em entrevista ao “Público”, 28-mai10)