Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

LITERATURA E CINEMA - II - THE BIG SLEEP

Literatura - À BEIRA DO ABISMO (THE BIG SLEEP) (1939), de Raymond Chandler
Cinema - idem, de Howard Hawks, argumento de William Faulkner (1946)

O LIVRO

"À Beira do Abismo" (The Big Sleep), uma obra-prima do género policial, e não só, editada em 1939.

Um enorme escritor, Raymond Chandler, um dos meus preferidos, qualquer que seja o género que tenha utilizado. O seu herói, Philip Marlowe, é um detective privado, duro, romântico e com uma ética à prova de bala.
A acção do romance decorre no seio da grande burguesia, que nasceu e cresceu com o petróleo e que se afunda num mundo de luxo, inutilidade, desvario e corrupção, com as suas ligações ao mundo do crime. 
O discurso do chefe do Departamento de Pessoas Desaparecidas de L.A., o capitão Gregory, um polícia sem ilusões, reflecte também a amargura do escritor perante a realidade de um país, os EUA, que cerca de 80 anos depois pouco mudou:

"- Sou um polícia, um simples e banal polícia. Razoavelmente honesto; tanto quanto se pode ser num mundo onde a honestidade passou de moda. Foi precisamente por isso que lhe pedi que passasse por cá hoje. Como polícia que sou, gostaria de ver a lei vencer. Gostaria de ver patifes como Eddie Mars estragarem as unhas na pedreira de Folson ao lado dos pequenos marginais que cresceram em bairros miseráveis, apanhados mal puseram o pé em falso pela primeira vez e a quem nunca mais se deu uma oportunidade. Era isso que eu gostaria de ver. Tanto eu como você já vivemos o suficiente para saber que isso nunca vai acontecer. Pelo menos não nesta cidade, nem nenhuma outra com metade do tamanho de Los Angeles em qualquer ponto deste grande e belo país. Pura e simplesmente não o governamos assim." (pág 181)

Marlowe movimenta-se entre várias mulheres que surgem ao longo do romance, às vezes atraído pela beleza de algumas ou pelo que pensa ver nelas.
A obra termina com uma frase inesquecível:

"No caminho para casa parei num bar e bebi dois copos de whisky. Não me ajudaram em nada. Só me fizeram pensar na Cabeleira de Prata, e nunca mais a vi."

Anos mais tarde outro grande autor (1), seduzido pela frase, continuou a história num outro belíssimo romance, revisitação perfeita do espírito de Chandler. 
(1)- Robert B.Parker, em "A Morte Veste de Seda"




O FILME

Com adaptação de outro gigante da literatura, William Faulkner e realização de Howard Hawks, foi terminado em 1946.
Longe da densidade, complexidade e referências politicas e sociais da obra-prima de Chandler, o filme é no entanto uma referência do chamado género policial, pela magnífica realização de um mestre como Hawks e as brilhantes interpretações de Humphrey Bogart e Laureen Bacall, companheiros na vida real que só a morte prematura de Bogart separou.
Parece evidente, para quem conheça o romance, não sentir no filme a implacável mão da censura daquela época nos EUA. As cenas e até as personagens da obra literária mais ligadas a uma crítica política ou sexual foram simplesmente cortadas ou eliminadas. Não esqueçamos que estávamos no pós-guerra, num dos períodos de política mais fascizante nos USA, com o período maccarthista em ascensão e a criação do FBI de Edgar Hoover, com a paranóia das suas perseguições às organizações dos trabalhadores (sindicatos), ao partido comunista e aos intelectuais de esquerda. Obviamente isto tinha um fundo claramente político pois reflectia o crescente poder do grande capital, que pretendia rapidamente dominar a luta dos trabalhadores.

O grande interesse do filme reside por isso praticamente na linguagem e na magnífica fotografia a preto e branco e nas grandes interpretações dos principais protagonistas, de quem aliás a maioria dos secundários não destoa.  O argumento adaptado, embora com a mão do grande Faulkner, está muito longe da densidade do romance de Chandler.









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