Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

RUIZ, BOTELHO E RIVETTE

PEQUENAS NOTAS SOBRE TRÊS BELÍSSIMAS OBRAS

De Raúl Ruiz, João Botelho e Jacques Rivette, um chileno, um português e um francês. Grande cinema!

Talvez seja raro mas, em vésperas da estreia do magnífico filme "José e Pilar", de Miguel Gonçalves Mendes, grande sucesso no DOCLISBOA deste ano, com honras de Sessão de Abertura, vai verificar-se que três das melhores obras e mais interessantes que poderão ser vistas neste país, são filmes de produção portuguesa, embora um deles, "Mistérios de Lisboa", seja realizado por um famoso cineasta, nascido no Chile, mas exilado desde 1973, Raúl Ruiz. Quanto ao terceiro é a extraordinária obra de João Botelho, "Filme do Desassossego".

Relembrar ainda que "José e Pilar", homenageia o nosso Nobel, José Saramago, e sua mulher, Pilar del Rio. "Mistérios de Lisboa", adaptam um romance de Camilo de Castelo Branco e "Filme do Desassossego", baseia-se em "O Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa, publicado sob o pseudónimo de Bernardo Soares.
De facto, exceptuando as obras de Roman Polanski ("O Escritor Fantasma"), de Oliver Stone ("Wall Street"), de Juan Jose Campanella ("O Segredo dos Teus Olhos") e de Jacques Rivette ("36 Vistas do Monte Saint-Loup") e, eventualmente do filme de David Fincher, o resto, salvo erro e omissão, é lamentavelmente descartável!
A Cultura deste país, que tão maltratada tem sido por este governo e anteriores, dirigidos por gente de fraca cultura, aparece neste domínio, como em muitos outros, a mostrar que, apesar de todas as dificuldades, tem grandes valores.

"MISTÉRIOS DE LISBOA", de Raúl Ruiz (25-Jul-1941, Puerto Montt, Chile).


São cerca de 4h30' de filme (com 10' de intervalo), mas acreditem que vale a pena. Realizado por um famoso realizador chileno (mas que vive na Europa desde o golpe fascista de Pinochet, em 1973, no qual o Presidente Salvador Allende foi assassinado, assim como mais alguns milhares de chilenos).
De Ruiz víramos recentemente (2006), outro filme magnífico, "KLIMT", sobre o famoso pintor, que os "críticos conservadores" (para ser suave) desconsideraram, coragem que agora não tiveram, em face do êxito retumbante e universal dos "Mistérios"...


"Mistérios de Lisboa" é uma brilhante adaptação da obra homónima do nosso Camilo de Castelo Branco (que li aos 16 anos, tal como mais cerca de 40 obras desse grande escritor. Aparentemente não me fez mal... Posso rir-me?).
Folhetinesco, até há quem lhe chame "rocambolesco" (à maneira, salvaguardas as devidas diferenças, do célebre folhetim de Ponson du Terrail, que fez as delícias da nossa adolescência - outros quarenta volumes, esses da "Romano Torres"!), mas se calhar não muito diferente das recentíssimas novelas, televisivas ou não, a não ser na enorme qualidade literária de Camilo, e no seu retrato, real mas nada lisonjeiro, da sociedade da época (século XIX) e na também enorme qualidade do cinema de Ruiz.
Só três referências indispensáveis:
- ao autor do argumento, Carlos Saboga, que tal como em obras anteriores, também de excepção - "O Milagre Segundo Salomé" (José Rodrigues Miguéis) e "Um Amor de Perdição" (Camilo), ambos realizados por Mário Barroso - mostrara a sua mestria na adaptação de grandes clássicos da nossa Literatura.
- à extraordinária música de Luís de Freitas Branco (1890-1955), um dos maiores compositores portugueses, membro de uma ilustre família de músicos e musicólogos
- a um actor, embora a direcção de actores (a maioria são portugueses) seja magnífica, não se vendo nela dissonâncias, que é Adriano Luz, na misteriosa e fascinante figura do Padre Dinis.

Amigos, vão ver os "MISTÉRIOS" e esqueçam o que está em exibição (partindo do princípio que já viram "O Escritor Fantasma", "Wall Street", "O Segredo dos Seus Olhos" ou, em menor grau, as "36 Vistas")





"FILME DO DESASSOSSEGO", de João Botelho, baseado em "O LIVRO DO DESASSOSSEGO, de Fernando Pessoa, assinado sob o pseudónimo de Bernardo Soares. 
Uma interpretação em imagens, mas com uma maioria de textos do poeta, dessa sua estranha e fascinante obra. 

Um dos críticos de cinema que vale sempre a pena ler, Mário Jorge Torres disse sobre o filme "(...) talvez sem a perfeição inteira de «Conversa Acabado» (...)". Pessoalmente substituiria o "talvez sem" por "com"!
Obra, por vezes de uma beleza sublime, faz parte, em minha opinião, das obras maiores deste cineasta (e já são algumas!).
Os extraordinários textos de Pessoa, com as reflexões que sempre suscitam em quem os lê ou ouve, mesmo que nem sempre acompanhemos as do poeta, assumem enorme relevo na obra de João Botelho. E um momento capital é sem dúvida a "Educação Sentimental", dita maravilhosamente por Catarina Wallenstein. Mas sob os nossos olhos (e ouvidos) desfila uma enorme galeria de actores (e cantores) que nos habituámos admirar. Injusto seria no entanto não referir especialmente um excepcional Cláudio da Silva, no protagonista. Tal como o trecho de ópera, "Marcha Fúnebre", de um compositor português contemporâneo Eurico Carrapatoso, de que gostamos também muito.

Um dos melhores filmes deste grande cineasta português. 
Visto fora do circuito comercial habitual, com as suas cocas e pipocas, que Botelho detesta e eu também. Exibido em salas de teatro e de concerto. Pessoalmente vi-o no magnifico auditório principal do Teatro Municipal de Almada, repleto de público.

"36 VISTAS DO MONTE SAINT LOUP" (36 Vues du ...), de Jacques Rivette - do antigo crítico (às vezes algo irresponsável) dos Cahiers du Cinema, uma homenagem ao circo, mas também ao teatro, com o "savoir faire" deste cineasta. 
O autor do famoso "A Religiosa", adaptando o célebre romance de Diderot, e que foi uma das suas primeiras obras, demonstra estar em plena forma, nesta fase da sua obra, com estas "36 Vistas...".

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