Cultura!

Cultura!

OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

LA VÉNUS À LA FORRURE (Vénus de Vison)


LA VÉNUS À LA FOURURE (Vénus de Vision)

Polanski regressa com mais um grande filme. Embora este cineasta não chegue a ser verdeiramente um mal amado para a crítica de cinema dominante que infelizmente temos (escapa por exemplo o “O PIANISTA”, THE PIANIST... até o PR que temos disse que gostou... mas houve quem começasse por dizer mal. Posso rir?) , mas uma vez mais as reticências que a sua obra provoca são mais que muitas. 

Agora, provavelmente, por causa do seu humor muito irónico e quase cínico, que bule com uma certa mentalidade muito conservadora que extravasa das páginas de cinema dos jornais dominantes. Relembremos como foi desprezado o seu recente e extraordinário “THE GHOST WRITER” (O Escritor Fantasma), espécie de ajustes de contas com CIA e FBI, que metia a ridículo o colaborador deles, Blair. Polanski era na altura, de novo, ferozmente perseguido pela justiça norte-americana, como aliás nunca deixou de o ser, a pretexto de “atentados à moral”, nos tempos em que por lá viveu. Dá vontade de rir num país onde se pode fazer tudo e mais alguma coisa desde que se tenha poder e dinheiro...

Polanski tem afirmado que sempre desejou fazer um filme apenas com um par de actores, uma mulher e um homem, num cenário único. 

Finalmente conseguiu-o e de uma maneira brilhante, encerrando-nos, a nós seus espectadores, durante 96’ numa sala escura onde vemos um velho palco de teatro, a caminho da decrepitude, no qual dois actores (a bela Emmanuelle Seigner, companheira de Polanski na vida real, como Vanda e Mathieu Amalric, grande actor do cinema francês, no papel de Thomas), se degladiam, numa luta de sexos, com uma certa dose da perversão que a burguesia tanto aprecia mas que, é bem de ver, quase sempre apenas sugerida. 

A referência são os textos do austríaco Leopold von Sacher-Masoch (1895-1936), um dos teorizadores do sado-masoquismo (Sade e Masoch) e a peça que sobre esses textos escreveu o autor do argumento do filme, a partir de peça própria, aliás de grande sucesso de público nos palcos nova-iorquinos, provavelmente pelas razões atrás expostas, o norte-americano David Ives. Notar que quase todos os principais participantes na obra são de ascendência polaca e velhos conhecidos - Polanski, Amalric, Ives.

Polanski não esconde nas entrevistas, que se serviu das técnicas digitais para muitos dos efeitos do filme, mas isso passa despercebido a um espectador comum, como eu... E o cineasta também não se importa de multiplicar os planos para conseguir uma obra que prenda irresistivelmente o espectador, até pela inteligência da realização.

Houve quem falasse em “huis-clos”, espaço fechado, a propósito deste filme e isso é até certo ponto verdade, citando-se até outras obras do realizador, como “CUL-DE-SAC” (O BECO), de 1966, e uma das suas maiores obras primas, em minha opinião, que é “A NOITE DA VINGANÇA” (Death and the Maiden), de 1994. 

O que não consigo aceitar é o que li numa revista de cinema (aliás a melhor que conheço na actualidade, apesar do seu, às vezes, conservadorismo, que nos espanta, principalmente quando abordam o social ou o político) comparando a personagem feminina da “VÉNUS DE VISON”, Vanda (Emmanuelle Seigner), com a de “A NOITE DA VINGANÇA”, Paulina Escobar (Sigourney Weaver). Relembremos que este filme se baseava numa peça de alguém que colaborou com o governo de Unidade Popular de Salvador Allende, Ariel Dorfman, que consegue escapar aos torcionários fascistas e se exila como tantos artistas chilenos, enquanto muitos outros, mais perto de Allende, são assassinados pelos apoiantes de Pinochet (como o famoso e inesquecível cantor, Vitor Jara). 

Sem me querer afastar do assunto relembro só que na obra de Dorfman, a principal personagem feminina, que era uma ex-vítima dos torcionários fascistas do regime de Pinochet, reconhece, por mero acaso, em alguém a quem presta auxílio em sua casa, numa noite tempestuosa, um antigo carrasco das polícias de Pinochet, que a havia brutalmente torturado. Mas ela hesita em vingar-se, acabando por desistir, não procedendo portanto como o tinha feito o seu torturador. 

A cena final dessa obra, que não mais saiu do nosso imaginário cinéfilo, mostra vítima e carrasco, numa mesma sala de concertos, anos depois, anónimos espectadores entre a assistência, como se nos quisesse avisar – “cuidado, que eles andam por aí... e se tornarem a ter poder voltarão a proceder da mesma forma”, numa nota inquietante que o realizador gosta de deixar suspensa.

Em “VÉNUS DE VISON”, é a mulher que sai (uma vez mais?) vencedora do confronto de sexos, o que leva um critico a dizer que o final é ridículo (posso rir?). Polanski diverte-se com coisas mais ou menos sérias, e diverte-nos a nós também. nesta obra não em "A DONZELA E A MORTE" (A noite da vingança). 

E, por favor, depois, quando o filme acabar e o genérico começar a ser projectado, não saiam dos vossos lugares antes que o projector seja definitivamente desligado e o ecrã fique completamente escuro, porque vão assistir a um desfile final, inesperado e fascinante de obras-primas, que não vou revelar... 

A música, de Alexandre Desplat, é magnífica.


Sem comentários:

Enviar um comentário