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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

segunda-feira, 16 de junho de 2014

CARTAS DE AMOR DE SÓROR MARIANA – UMA FREIRA PORTUGUESA APAIXONADA



CARTAS DE AMOR DE SÓROR MARIANA – UMA FREIRA PORTUGUESA APAIXONADA

Uma recomendação: não perder até ao fim do mês (sextas e sábados às 21.30) mais este belo espectáculo do INTERVALO GRUPO DE TEATRO, em Linda-a-Velha, no carismático (mercê do que nele se tem assistido) Auditório Municipal Lourdes Norberto.

Armando Caldas, o encenador, demonstra aqui uma vez mais a sua mestria neste tipo de espectáculo, aliás como em outros géneros, neste monólogo para uma actriz, que diz as cartas de amor da freira de Beja, Mariana Alcoforado, que ali nasceu em 22-Abr-1640, ano da Restauração da Independência de Portugal, e que em 1651, com apenas 11 anos, foi encerrada pelos pais, gente muito rica, no Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição da cidade, onde irá permanecer toda a vida.

A partir de 1663, tropas francesas vêm ajudar o governo português a defender-se das incursões espanholas através do Alentejo na tentativa de voltarem a ocupar o país. É assim que em 1666, tinha então Mariana, já freira, 26 anos, chega um oficial francês, Noel Bouton, conde e marquês (de Chamilly) por quem ela se irá apaixonar. 

Em que condições se conhecem não há certezas. Se chegam a ter relações sexuais tão pouco o saberemos. O que se sabe é que Mariana escreve cinco desesperadas cartas de amor ao marquês, as quais serão em 1669 publicadas em França por um escritor, de nome Lavergne de Guilleraggues, a quem inicialmente atribuíram a sua autoria, tese defendida por muitos intelectuais da época, e que veio a ser depois contestada atendendo à sintaxe nelas utilizada, mais perto da língua portuguesa. Hoje são consideradas como efectivamente escritas por uma mulher, que seria Mariana de Alcoforado.

A beleza da escrita, a descrição dos sentimentos, tornaram-nas objecto de interesse, e até paixão, de muitos escritores, poetas e pintores ao longo de mais de 3 séculos. A tradução utilizada por Armando Caldas é a de um dos grandes poetas portugueses do século XX, Eugénio de Andrade.

Julgo que o que seduz muitos, e a mim também, é o despertar do amor físico, numa mulher muito jovem, enclausurada num convento, e a gama de sentimentos que uma situação dessas origina: desejos de liberdade, desejos de amor, esperança e depois frustração, desespero e renúncia, perante a aparente impossibilidade de libertação.

O que é mais admirável nesta encenação de Armando Caldas é que contando com uma actriz ainda mais jovem, 21 anos, conseguiu obter dela uma representação de todos esses estados de espírito. Porque quanto à grande qualidade, e bom gosto, do cenário, das movimentações da actriz em cena, da utilização da iluminação, das imagens de vídeo, a isso já ele nos habituara de encenações anteriores.

Lembrar ainda que Adriana Rocha, a actriz, já nos surpreendera pela qualidade da interpretação, noutro desempenho a solo, e muito diferente deste, no “Diário de Uma Criada de Quarto”, de Octave Mirabeau, que Armando Caldas encenou em 2013, no mesmo espaço.



2 comentários:

  1. Caro Egas,

    Atenho-me ao pormenor que refere quanto às idades de Mariana à época das Cartas que terá escrito, 26 anos e aos 21 que refere serem aqueles da atriz que nesta peça, com maturidade como sugere, à primeira a desempenha para Lhe deixar, a este propósito, algumas interrogações:

    Que correspondência se poderá estabelecer entre as idades de ambas atendendo às épocas históricas distintas em que viveram e tanto mais quanto Mariana vivia em clausura?

    Ainda que tivessem a mesma idade cronológica, tê-la-iam de facto?

    Quanto mais não se vive nos 21 anos do presente do que nos 26 anos do século XVII?

    Encolheu ou dilatou-se o espaço/tempo?

    Cronologicamente, a longevidade exponenciou-se e de facto ou tendencialmente, mais se vive em menos tempo!

    Será?

    Abraço

    Jaime Latino Ferreira
    Estoril, 17 de Junho de 2014

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  2. Meu bom amigo, obrigado pelo seu comentário. Sem querer filosofar com um filósofo (que o meu amigo é), referir só dois pontos:
    Sobre o magnífico trabalho da actriz devo dizer que tive o raro privilégio de ter assistido à representação nas primeiras filas e nada portanto me deve ter escapado (do que fui capaz de ver...), de que, como frisei, gostei muito, mais a mais sendo uma actriz ainda muito pouco conhecida do grande público.
    Quanto à questão da experiência ou não experiência, de todos nós, já é uma questão que pode ser controversa. Como seres humanos, como espectadores de Teatro. Viver tudo, ver tudo, não nos é possível (nem o desejamos, felizmente). Mas já agora, uma vez que estamos nesta faixa etária avançada (depende do ponto de vista, eu sei) e sem usar a frase batida, de que não gosto, de que "a idade é um posto", ou similar, há de facto em cada um de nós uma crescente maior capacidade de relacionamento de factos e acontecimentos que o tempo que passa nos dá (em geral, porque depende obviamente de cada um).
    Julgo que aqui poderá concordar comigo. Um grande abraço (a despretensiosa conversa poderá continuar, se o desejar, nas mensagens do facebook ou e-mail.)

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