SOBRE
“O DOIDO E A MORTE”
Exactamente
cinco anos depois revi no TMJB (Teatro
Municipal Joaquim Benite, em Almada) o espectáculo de teatro e ópera,
brilhantemente concebido em 2009 por Joaquim Benite e que em 2014 é encenado
pelo seu jovem assistente de então e agora seu continuador à frente da CTA
(Companhia de Teatro de Almada).
A
direcção musical continua a ser do autor da ópera, o compositor Alexandre Delgado,
tal como o cenário da responsabilidade de Jean-Guy Lecat.
Pouco
tenho a acrescentar à minha nota de simples espectador escrita em Junho de 2009
(ver abaixo). Desejo apenas salientar que, para mim, este espectáculo é
simultâneamente inovador e didáctico, ao pôr em paralelo, e por vezes misturar,
duas artes de palco, o teatro e a ópera, partindo de um mesmo texto, o da peça
de Raul Brandão. Voltei a sentir, até por comentários murmurados por mim
ouvidos, o fascínio do público quando se apercebeu que uma personagem, Nunes,
era representado nas duas versões – a teatral e a operática, de maneira
idêntica e pelo mesmo actor (Miguel Martins, tal como há 5 anos).
No
conjunto mantiveram-se os principais actores, mudaram alguns cantores, mudaram todos os músicos mas a grande qualidade do espectáculo pelo menos manteve-se,
com o nível dos desempenhos a atingir o
elevado nível que é habitual nos trabalhos desta Companhia.
Em
suma, para mim “O Doido e a Morte”, de Raul Brandão, Alexandre Delgado e
Rodrigo Francisco já está na lista do melhor que vi este ano e poderá nela
permanecer apesar da fortíssima concorrência do que ainda aí virá, para já no
incontornável Festival de Teatro de Almada.
Texto
de 2009:
PROPOSTAS CULTURAIS E NÃO SÓ
Nº 25/09_2JUN09
Conforme já várias vezes escrito, estes textos são uma mera
justificação de gosto, dirigida exclusivamente aos amigos, e não são Crítica!
Muito menos de Cinema, Teatro ou Arte…
TEATRO
“O DOIDO E A MORTE” (1923), de Raul Brandão, encenações de Joaquim
Benite, para a representação da peça pela CTA, e para a ópera de Alexandre
Delgado.
Mesmo palco, mesmo cenário (magnífico, de Jean-Guy Lecat, para o enorme
e belíssimo palco do TMA), um actor comum – Manuel Martins, em Nunes, o
secretário do Governador Civil, para as duas representações – teatro e ópera -
do famoso texto de Raul Brandão (1867-1930), ideia brilhante de Joaquim Benite
e da CTA/TMA. Ambas muito bem conseguidas, com interpretações magníficas.
Quanto à peça, considerada por muitos como uma das grandes obras-primas
do teatro português, apesar da sua curta duração, continua a surpreender-nos
pela sua modernidade, pela sua crítica, por vezes mordaz, mas também pelo riso
que provoca, sobre a sociedade em que vivemos e os seus actores principais:
”Confesso que menti… menti sempre que pude. Toda a minha vida foi uma mentira pegada.”
(Governador Civil, perante a hipótese de morrer se o Senhor Milhões chegasse a
cumprir o prometido, premindo o detonador da bomba de elevada potência, e
perante a fuga de familiares (esposa) e todos os subordinados, incluindo o
fiel Nunes), e sobre as profundas desigualdades dessa sociedade, há um século,
ou hoje…
Em 1926, quando estreou no Teatro Politeama, em Lisboa, em benefício
dos vendedores de jornais, quiseram suprimir-lhe a frase final “Ai o grande
filho da puta!”, para não ferir “ouvidos delicados”, provavelmente dos
beneméritos presentes, e fizeram descer o pano antes que o actor tivesse tempo
de a pronunciar… No entanto, o sentido da obscenidade é ambíguo já que “o filho
da puta” (O Doido), está afinal bem mais perto de nós, dos nossos anseios e
sonhos, do que quem pronuncia a frase (O Governador).
Eram os tempos agitados dos finais da Primeira República, em que a
extrema-direita aproveitava as debilidades do regime, e o descontentamento
popular, para criar as condições que lhe permitissem o golpe definitivo contra
o regime democrático, já muito periclitante, depois da primeira tentativa,
apoiada pelas forças mais reaccionárias, e protagonizada por Sidónio Pais
(1917-18). O golpe aconteceu nesse mesmo ano (1926), em 28 de Maio, dando origem
ao estado fascista, consolidado com a aprovação da Constituição de 1933, já com
Oliveira Salazar no poder.
2-Jun-2009