Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

BALANÇO CINÉFILO 2013

BALANÇO CINÉFILO 2013 – em 31-DEZ-2013

Esta é a minha lista definitiva do que mais gostei no grande ecrã de cinema.
À lista provisória, feita em Novembro, só faço uma alteração: incluir o último filme dos Coen, que coloquei a par do filme do Abbas Kiarostami...
OS 10 MAIS (ordem alfabética...)
Até Amanhã. Camaradas, de Joaquim Leitão
Blue Jasmine, de Woody Allen
O Capital, de Costa-Gravas
Django Libertado, de Quentin Tarantino
A Essência do Amor (To the Wonder), Terrence Malick
Eu e Tu, de Bernardo Bertolucci
Like Someone in Love, de Abbas Kiarostami / Inside Llewyn Davis, de Ethan e Joel Coen
Não, de Pablo Larrain
O Profundo Mar Azul, de Terence Davies
Vénus de Vison, de Roman Polanski

OS DOCUMENTÁRIOS PREFERIDOS
A Mãe e o Mar, de Gonçalo Tocha
A Última Encenação de Joaquim Benite - Não basta dizer "Não", de Catarina Neves

UMA SURPRESA
Frances Ha, de Noah Baumbach

UMA DESILUSÃO
Antes da Meia-Noite, de Richard Linklater

UMA (RE)VISÃO MAGNÍFICA
Tio Vânia, de Andrei Mikhalkov-Konchalovsky

UMA REFERÊNCIA FINAL
A um filme relativamente modesto, sem pretensões cinéfilas, mas cuja visão nos deu prazer por ter a
 ver connosco: A GAIOLA DOURADA, de Ruben Alves



segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

LEITURAS - HENNING MANKELL



LEITURAS

DEN OROLIGE MANNEN (Um Homem Inquieto) (2009)

De Henning Mankell (Estocolmo, 3-Fev-1948)

1-Uma pequena nota para os meus amigos facebookianos, nomeadamente para os que apreciam a chamada literatura policial, sobre a última obra publicada entre nós daquele escritor sueco, e que tem como protagonista principal o inspector Kurt Wallander. Será aliás a última em que ele surgirá, tomando em consideração o derradeiro parágrafo desta obra, por muito que isso custe aos seus leitores, embora haja um provável continuador na sua filha Linda Wallander.

2-Um aviso prévio de que se trata de uma obra para leitores adultos, no sentido mais lato do termo. 

Porque se é certo que a escrita de Mankell fascina, os escolhos de leitura são muitos e há até um momento em que apetece pôr a obra de lado. Não por ser literariamente inferior, bem pelo contário, mas porque parece reflectir os clichés, reaccionários e preconceituosos, massivamente propagandeados pelos órgãos do sistema capitalista, durante a Guerra Fria, ficando no leitor a dúvida se reflectirá o ponto de vista de Wallander, polícia competente e arguto na investigação, mas de uma ignorãncia política muito grande, ou às vezes do próprio escritor...

3-No entanto uma das mais belas passagens do livro é quando Wallander deixa o meio da alta burguesia e vai conversar  com uma trabalhadora (interrogar), empregada de restaurante já reformada, que travou conhecimento directo com os militares de alta patente que surgem na complexa intriga.

4-Kurt Wallander, oficial de polícia, de 60 anos, já com uma já longa carreira que os leitores foram acompanhando em obras anteriores, e que, de certo modo, ele revisita ao longo deste romance; a sua filha Linda, que segue as pisadas profissionais do pai; as mulheres da vida de Kurt, Mona e Baiba, com desenlaces trágicos; a neta Klara; o Pai, já falecido, a quem finalmente o filho parece entender, e que aliás mostrava uma perspicácia política muito superior à de Wallander; os colegas de profissão: eis o universo próximo de Wallander. 

O resto são os von Enke, uma família da alta burguesia, e os que os rodeiam, principalmente oficiais superiores das forças armadas suecas.

O relato que Mankell faz da sociedade sueca é muito pouco lisonjeiro, mostrando-nos como é pouco verdadeira a aura de serem progressistas as sociedades nórdicas, conforme à ideia propalada pela comunicação social de tendência social democrata. O romance fala nomeadamente do ódios dos conservadores, em especial nas forças armadas e da alta burguesia, a Olof Palme, o primeiro-ministro assassinado em circunstâncias ainda hoje não esclarecidas. Tal como refere o feroz anti-comunismo dos mesmos meios.

Não devendo ser aqui referida a intriga com mais pormenor, para evitar que o suspense se perca, recomendo a leitura aos que apreciam este género de literatura, a dita policial. 

Henning Mankell é sem dúvida um dos melhores autores contemporâneos do género, principalmente se estivermos atentos ao ambiente social e político em que se movem as suas personagens.


Nota à posteriori

A série televisiva adaptando os romances de Henning Mankell não chegou aos nossos pequenos ecrãs, julgo que fruto da lamentável subserviência dos programadores de TV portugueses ao  que entendem ser o "gosto do mercado"... O resultado é uma programação em geral medíocre, quando não ainda pior e a que normalmente se costuma designar por lixo, com uma predominância das séries norte-americanas de baixa qualidade  ou das telenovelas cujo único interesse são os desempenhos das estrelas, muitas vindas do teatro em crise e que recorrem à televisão para sobreviver. 
Quem me lê sabe que não sou um fã desta televisão que nos "dão", embora me interesse pela qualidade e não teria dificuldade em citar umas poucas dezenas de grandes obras para o pequeno ecrã, vistas ao longo do tempo, de vários proveniências, desde o Brasil, aos EUA/Canadá e Europa, incluindo Portugal, e que considero magníficas. Fica para outra oportunidade. Por agora, resta este lamento...

IR AO TEATRO - A NOITE, de José Saramago



Sobre “A NOITE”, de José Saramago

Foi em 1979 que José Saramago escreveu a sua primeira peça de teatro, justamente esta, aceitando o desafio da saudosa encenadora e autora, Luzia Maria Martins, a criadora com a actriz Helena Félix do Teatro Moderno de Lisboa, que durante inesquecíveis anos, para quem goste de teatro, esteve sediado no Teatro Vasco Santana, na Feira Popular de Lisboa (ao Campo Pequeno), “barracão” onde assistimos a grandes espectáculos.

A Revolução de Abril já havia sofrido sérios reveses (“já estragaram a tua festa, Pá”, Chico Buarque, na segunda versão de “Tanto Mar”, após o 25-Nov-1975) quando Saramago a escreveu.

A peça é uma homenagem a esse momento único que foi a madrugada de início de um dos mais belos acontecimentos (em minha opinião e espero que não só) da História do nosso país, que vivemos ou de que nos chegam os ecos, ao longo de mais de oito séculos de existência (já somos velhinhos...). 

Mas também é intemporal, porque retrata pessoas perante situações críticas, retrata comportamentos que têm a ver com a classe social e os interesses dos envolvidos. E a sensação que fica ao espectador comum é que conheceu gente como aquela (eu conheci...). Aí é a mestria de um grande escritor, capaz de nos transmitir, com inteligência e rara simplicidade, sentimentos e comportamentos profundos, que jogam com a natureza humana, mas que vêm ao de cima fruto do meio e da época em que surgem. Não admira portanto que a visão desta peça nos emocione, por vezes fortemente, relembrando a nossa própria vivência daquele momento histórico maior, mas também pela exaltação de valores que fazem com que continuemos a acreditar na Humanidade.

Em 1979 a peça subiria ao palco pela primeira vez, representada pelo Grupo de Teatro de Campolide, na sua versão integral, e encenada por um dos maiores nomes do Teatro em Portugal, Joaquim Benite, que nos deixou recentemente.

A versão actual resulta de uma adaptação de Paulo Sousa Costa e encenação de José Carlos Garcia. Embora eu tivesse preferido ouvir o texto original de José Saramago (porque julgo que o texto dos autores deve ser, sempre que possível, respeitado na íntegra), julgo que as modificações operadas, como a redução das personagens para cerca de metade, ou as falas de Faustino, ou o fortíssimo final do original, embora discutíveis, especialmente a última, não alteraram as intenções do autor. 

O sucesso de público, obviamente desconhecedor, na sua grande maioria, da peça na sua versão escrita, ou mesmo em relação a anteriores representações, mostra que esta encenação da obra de José Saramago atinge o objectivo de interessar e emocionar o público. Para isso muito contribui o brilhante desempenho dos actores e nestas coisas prefiro em geral não fazer saliências pessoais quando o conjunto é muito bom. Mas aqui também não seria justo deixar de referir o trabalho de grandes actores nos papéis principais, como João Lagarto, Vítor Norte, ou Paulo Pires.

Como a afluência de público obriga a prolongar a sua representação até meados de Janeiro, sugiro que quem possa não perca. É no Teatro da Trindade, em Lisboa. E já agora não deixem de ler também a peça. 

A propósito, embora já as tenha visto adaptadas à ópera (e gostei), gostaria muito de ver em palco outras duas peças de José Saramago, de que gosto muito: “In Nomine Dei” e “Dom Giovanni, O dissoluto absolvido”. Terei como espectador essa boa sorte?


domingo, 29 de dezembro de 2013

INSIDE LLEWYN DAVIS


INSIDE LLEWYN DAVIS (A Propósito de Llewyn Davis)

Já vi o último filme dos manos Coen (Ethan e Joel) e considero-o muito interessante, na linha das obras anteriores destes carismáticos realizadores norte-americanos. Com uma diferença: é mais triste e melancólico (pelo menos para mim).

Ambos nascidos em Minneapolis, Minnesota, nos EUA. Joel em 29-Set-1954, Ethan em 21-Set-1957. 

São dois aparentemente vulgaríssimos cidadãos. Casados: Joel com a actriz Frances McDormand, desde 1984, têm 1 filho; Ethan, com Tricia Cooke, desde 1990, com 2 filhos. No entanto constituem uma dupla de cineastas cujas obras não nos cansamos de admirar, pela maneira muito própria e original como observam as suas personagens, descrevem os ambientes em que vivem, narram as suas histórias. Por isso são, na minha opinião, verdadeiros autores e não meros técnicos, encarregados de filmar histórias para agradar às audiências.

“Barton Fink” (1991), “Fargo” (1996), “Este País não é para Velhos” (No Country for Old Men) (2007), “Destruir Depois de Ler” (Burn After Reading) (2008), “Um Homem Sério” (A Serious Man) (2009), “Indomável” (True Grid) (2010), estão entre os meus filmes preferidos, no conjunto da sua obra.

Agora, basearam-se na vida de um cantor folk dos anos 60, pouco conhecido, Dave Von Ronk, contada nas suas memórias. O resultado é um mergulho com muito fascínio nos bares de Greenwich Village, o famoso bairro de Manhattan, a fazer lembrar um bairro duma cidade europeia, onde alguns jovens queriam, nessa época, fazer da actividade musical a razão principal da sua vida, sem grande ou nenhum sucesso a maior parte das vezes, como o seu mal amado, azarado e desastrado herói, Llewyn Davis, magnificamente interpretado por Oscar Isaac, que também canta e muito bem. 

Não vou referir os vários incidentes que tornam complicada a vida de Llewyn, apenas dizer que além das amantes, a quem acaba por pagar abortos (obviamente clandestinos), também aparece um gato, Ulisses, que vive em casa do casal Golfein, amigos fieis que quase perde por cauda dele ou a fantástica cena protagonizada por John Goodman, grande actor, preferido dos Coen, na alucinante viagem de automóvel entre Nova Iorque e Chicago, onde o estilo dos Coen, e nesse e noutros episódios (o atropelamento de um animal. Qual? Não sabemos. Chegámos a julgar que fosse o Ulisses perdido... Posso rir?) com toda a mestria e originalidade destes dois grandes criadores (realizadores e argumentistas) surge.

Uma palavra para a fotografia, de Bruno Delbonnel e um profundo lamento para a falta de tradução das letras das canções. 

A quem puder recomendo a leitura da entrevista dada pelos Coen à revista Positif (Nov-2013).



domingo, 15 de dezembro de 2013

OLDBOY - VELHO AMIGO





OLDBOY – Velho Amigo, de Spike Lee

Com algum sabor oriental no argumento, o que se compreende por adaptar uma manga (banda desenhada) japonesa, com desenhos de Nebuaki Minegishi e argumento de Garon Tsuchiya, de que realizador sul-coreano Chan-Wook Park já havia realizado em 2003 uma obra homónima, de grande sucesso comercial.

Este “remake” é um thriller intenso de Spike Lee (Atlanta, Geórgia, EUA, 20-Mar-1957), cuja filmografia muito admiramos. 

Não estando, em minha opinião, ao nível das obras-primas do cineasta – “Malcolm X”, “Do the Right Thing” (Não dês Bronca), “25th Hour” (A Última Hora), “Summer of Sam” (Verão Escaldante), entre outras, vale no entanto uma visão. 



O realizador transfere a acção para a actualidade e nos EUA, mas o que perde em ambiência oriental ganha na inquietação que transmite, fazendo-nos pensar na absurda privatização que os conservadores, agora tranvestidos de neo-liberais, querem levar, se os deixarem, para o sistema prisional norte-americano. Mas isto é apenas uma inquietação de espectador, preocupado com o retrocesso civilizacional que se intensifica a passos largos no mundo capitalista, fazendo prever conflictos sociais graves.

O suspense da obra não recomenda que se fale do argumento, para além de referir que narra a história de um homem que é raptado e preso durante 20 anos, sem perceber porquê e aonde está. Posto em liberdade tenta desvendar o mistério. 

Apenas referir que Spike Lee ao filmar, e muito bem, a mais intensa cena do filme, consegue fazer incidir nela os sentimentos mais fortes e contraditórios dos espectadores, que passarão sucessivamente por admiração, horror e dúvida.






4 AD HOC


Fui uma noite destas, ao Teatro do Bairro Alto, ver o espectáculo a que o seu criador, Luís Miguel Cintra, o actor e encenador que tanto admiramos, chamou "4 AD HOC". 

Quatro peças em um acto, que o encenador escolheu ao acaso, ad hoc, segundo diz no seu habitual e magnífico texto do desdobrável da sessão, do longo repertório, mais de 200 peças, de um grande autor do teatro de vaudeville francês, ou seja do teatro de comédia da vida burguesa, que ainda hoje, mais de um século depois, nos faz rir dos "disparates" por ele inventados, copiados da vida real. 

Eugène Labiche (Paris, 6-Mai-1815 - 23-Jan-1988) continua a surpreender-nos com a vivacidade dos seus textos. E as 3 horas e tal passam-se num ápice, entre muitos sorrisos e algumas gargalhadas (algumas até, desbragadas... sem ofensa). 

Escolhidas ad hoc são afinal 3 - "A Escolha de Um Genro", Dois Refinados Malandros" e "A Viagem", porque a quarta, "A Dama com as Pernas Côr do Mar", paródia ao teatro e a quem o faz, foi o final feliz desta noite de comédia, a não perder para quem possa, perante a excelência dos desempenhos dos actores e uma actriz (magnífica Sofia Marques, que se desdobra em 3 personagens, de 3 das peças, sempre com muita graça) da Cornucópia.



Não faltar, se vier a ser reposto.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

BALANÇO (Provisório) DO TEATRO VISTO EM 2013

Balanço (provisório) do que mais gostei no Teatro em 2013

obs: por razões pessoais, de saúde e outras, falhei muita coisa

Mas aqui ficam os 3 espectáculos de que mais gostei, por ordem alfabética de títulos (as razões podem ser encontradas no que na altura escrevi para os amigos)

O PELICANO, de Auguste Strindberg, Rogério de Carvalho, com a CTA

A ÚLTIMA GRAVAÇÃO DE KRAPP, de Samuel Beckett, Peter Stein

UM DIA OS RÉUS SERÃO VOCÊS, de Álvaro Cunhal, Joaquim Benite, Rodrigo Francisco, com a CTA

e uma saudação especial para os trabalhos dos ALOÉS, ARTISTAS UNIDOS, BARRACA, COMUNA, CORNUCÓPIA, CT de ALMADA, INTERVALO, TEATRO ABERTO, TEATRO MERIDIONAL, companhias de teatro da minha cidade, cujos espectáculos procuro seguir sempre que me é possível. E há mais, mas estas foi as de que me lembrei agora... Sem elas sentir-me-ei muito mais pobre

E de um livro publicado em 1992, por um grande homem do teatro, principalmente como teatrólogo, que assinou os seus escritos com o pseudónimo de Carlos Porto. 
Só agora o lemos, talvez porque não lhe tenha sido dado o devido relevo na altura e nos passou, e que todavia é de um grande fascínio para quem goste de Teatro: FÁBRICA SENSÍVEL.


quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

TWELVE ANGRY MEN (Doze Homens em Fúria)



OS FILMES MUITO AMADOS

Víramos há dias uma das obras-primas absolutas da Sétima Arte, ROCCO I SUOI FRATELLI (ROCCO E SEUS IRMÃOS), de Luchino Visconti, de que deixámos aqui, neste modesto blogue, uma pequena nota.

Agora foi o rever de outra obra inesquecível, TWELVE ANGRY MEN (Doze Homens em Fúria).

Revista numa sala de aula, cheia com muito jovens e menos jovens. Dois escalões etários separados por meio século de vidas mais ou menos intensas, com muitos sonhos e muitas lutas para os mais velhos, quase só sonhos, por enquanto, para os mais novos. Pelo entusiasmo de alguns, pela emoção sentida, julgo que compartilharam da elevação do argumento.

Esta obra-prima é de 1957, DOZE HOMENS EM FÚRIA, do realizador norte-americano, SIDNEY LUMET (Filadélfia, 25-Jun-1924 - Manhattan, 8-Abr-2011), o autor dos celebrados, e também alguns muito amados, SERPICO, DANIEL, FUGA SEM FIM, UM DIA DE CÃO, etc, etc.

Para os que não a conhecem voltarei a ela. Quanto a Lumet, um autor de esquerda, foi em vida menosprezado e às vezes ignorado pelos que dominam a comunicação social. Mas em 2005 os seus pares escolheram-no para o Óscar Honorário por toda uma carreira, obrigando alguns desses escritas a "retorcer aparos"...

Por agora, só a terminar, direi porque é para nós tão amada esta obra: é que poucas vezes no cinema o preconceito, seja ideológico, estúpido, racista ou irracional, foi desmontado com tanto brilhantismo.

E para aqueles que gostam do debate público, da vontade de esclarecimento de mentes bloqueadas, a que só falta abrir janelas para que consigam compreender que estão erradas, esta obra, declaradamente de esquerda, julgo que dirá muito.

Vou voltar.


REDEMPTION





“REDEMPTION” (REDENÇÃO), de Miguel Gomes (duração: 27’)

Não tendo previamente lido nada sobre o filme, o que prefiro se possível, em geral, para evitar preconceitos, confesso que até perto do final da obra, tentei compreender em vão o que nos queria transmitir o incontornável autor de “AQUELE FELIZ MÊS DE AGOSTO” e de “TABU”, duas obras de grande qualidade, mas que também tiveram, um raro sucesso de público e crítica, em Portugal e fora dele. 

Que infâncias e juventudes eram aquelas, já assimilando o pior, parecia-me, e que justificações adultas eram aquelas outras, procurando ir à juventude encontrar justificações para o mau comportamento adulto?

De repente, porém, fez-se luz e tudo passou a fazer sentido. Com textos da autoria de Miguel Gomes e da sua co-autora, Mariana Ricardo, a constatação de quem eram os quatro personagens que os autores resolveram caricaturar, num acto de revolta suponho, imaginando-as quando crianças (Passos Coelho), jovens (Angela Merkel), ou recordando episódios juvenis (Nicholas Sarkozy e Silvio Berlusconi), conferiram clareza e coerência à obra, perante o que conhecemos do trajecto humano e político destes personagens na triste Europa em que vivemos. E um sorriso amargo despontou nos rostos dos espectadores. 

Eles são afinal modelos (outros podiam ter sido os escolhidos – Cavaco, Durão Barroso, Blair, Aznar, Sócrates, etc, etc) de vários tipos de fazer política na área do neo-liberalismo, a nova forma que as classes dominantes encontraram nas últimas décadas de manter e aumentar os níveis de exploração dos trabalhadores e de condicionarem a luta dos povos pelos seus direitos, surgindo até entre esses políticos, e os seus porta-vozes, principescamente pagos na comunicação social, nos mais radicais de entre eles, o incitamento à repressão e à retirada de direitos fundamentais, duramente conquistados ao longo de gerações, como o direito inalienável em Democracia, que é o direito à greve.

Miguel Gomes imaginou, com algum humor sarcástico, e cáustico, o que, na infância e juventude desta gente, pode ter pesado nos homens e mulheres em que eles se vieram a transformar, para mal de todos nós. 

Um documentário político, que não agradará obviamente a “gregos e troianos”. Ainda bem! 

Um hiato no conjunto da sua obra, com o humor que todos lhe reconhecem. 

Um protesto, com o seu quê de iconoclasta para a toda poderosa indústria do cinema, de um jovem cineasta português. 

Um protesto também contra a incultura que grassa entre estes políticos e que põe em risco a própria indústria do cinema em países como Portugal. E muito mais, obviamente, o cinema como representação artística.



TERRA DE NINGUÉM





TERRA DE NINGUÉM, de SALOMÉ LAMAS

1-Já vi e achei interessante, também sob o aspecto da linguagem, o muito aplaudido "Terra de Ninguém", documentário da jovem realizadora, Salomé Lamas (na foto), primeiro prémio do DOCLIS de 2012. 

Curiosamente assisti sozinho, numa sala completamente vazia dum multiplex, num horário nobre. Disse-me o pessoal de serviço que, em sessões anteriores, alguns espectadores abandonaram a sala ao intervalo...

Porque a obra é incómoda? Não sei. É a entrevista a um mercenário e assassino, nas próprias palavras do retratado. 

Mas merece uma reflexão, pelo que revela aos menos informados, que o são por ignorância, por preconceito, às vezes por desmazelo, sobre a realidade que os cerca - os crimes contra a Humanidade cometidos pelas tropas ocupantes na Guerra Colonial Portuguesa, os atentados encomendados pela CIA na América do Sul, cujo objectivo era o terror, por isso tinham também por vezes por alvos os próprios apoiantes, os atentados dos GAL, em Espanha, encomendados durante o governo de Felipe Gonzalez. As seguranças de Kaulza e Sá Carneiro, de que o entrevistado fez parte.

E obviamente para tentarmos perceber o que pode levar um ser humano a um trajecto de vida como este, que em fase terminal o transforma num sem-abrigo, debaixo de um viaduto qualquer de uma grande urbe (Lisboa).



2-Uma longa entrevista a um mercenário e assassino, como ele próprio se define, admitindo que tudo o que conta é verdade. E pelos piores motivos, o que ele já não consegue admitir. 

O Homem pode transformar-se num ser violento, sem piedade, por motivos vários. E ninguém estará à partida, livre disso. 

O ódio, em primeiro lugar. O instinto de defesa em segundo lugar. E também o pode, por pensar que está do lado dos que têm razão, porque lhe disseram que os outros são “maus”. 

O personagem deste documentário quer justificar-se assim. É que passou de soldado, voluntário é certo, mas integrado num exército regular, em guerra, injusta é certo, para alguém que é pago para combater e matar sem escrúpulos. Em ambos os casos actuou com selvajaria. Parece que na sua cabeça não existiram muitas dúvidas, segundo diz. Será talvez essa a justificação que julgam possível, os que participaram em massacres e crimes contra populações indefesas durante as Guerras Coloniais. E infelizmente já ouvi justificações semelhantes, que me impressionaram.

No entanto ele terminará a sua atribulada existência como sem-abrigo, depois de preso e condenado a 15 anos, em Espanha, por um único crime entre as centenas (?) de assassinatos que terá cometido, como soldado e mercenário, sempre do lado das forças de repressão, dos poderosos, contra os que lutaram pela liberdade dos seus povos, ou depois, como assassino contratado para matar, ainda pelos mesmos poderes (episódio dos GAL, criados durante o governo Felipe Gonzalez, contra a ETA). E depois de ter sido segurança de Kaulza de Arriaga e de Sá Carneiro, segundo diz... Como se deixasse de ser útil para os que o utilizaram. 

Um dos paradoxos desta existência seria o de, a acreditar no que ele conta, ele ter afinal alguma ética, já que, mesmo sendo capaz de matar sem pena nem remorso e cometendo as maiores barbaridades, na África Colonial Portuguesa ou em Salvador. (lembrar a propósito o impressionante e magnífico “Romero”, de John Duigan, na altura em que membros da “Igreja dos Pobres” apoiavam a guerrilha (Arcebispo Romero), filme que é a visão do outro lado da barricada, do lado das populações em luta contra a miséria, contra a fome, contra a repressão dos poderosos, relembrando a morte da guerrilheira, eventualmente assassinada por gente como este mercenário português ao serviço da CIA, segundo ele diz) 

Ética por se recusar a matar os familiares das suas vítimas, mas só como assassino contratado, porque nas guerras, coloniais principalmente, velhos, mulheres e crianças eram abatidas também (Angola). O racismo também pesaria aí? 


O que impressiona no filme de Salomé Lamas é a magnífica encenação, aparentemente muito económica de meios, e muito directa, que a jovem realizadora criou para a entrevista. A ideia também de cortar as perguntas, substituindo-as por um número, sequencial, que separa as respostas. Nunca ouvimos a voz de quem pergunta. Apenas breves comentários, da própria Salomé, entre cada um dos 5 ou 6 episódios, temporalmente bem definidos, que constituem o documentário. Esta forma acaba por nos ligar mais ao entrevistado e nos fazer quase acreditar que se trata afinal de um ser humano igual a muitos outros, com algumas fragilidades, com todas as suas limitações e contradições (a infância, feliz, em África). Nisso a obra está de facto muito conseguida.

Os que defendem o filme referem-se obviamente a este aspecto e também ao facto dele acabar por mostrar que a Guerra Colonial, feita pelo governo português, foi muito mais cruel do que as versões oficiais, ainda hoje, querem fazer crer. É que não ignora os selváticos massacres cometidos pelas tropas coloniais, as aldeias queimadas, e as suas populações inteiras dizimadas, e as cabeças cortadas penduradas como troféus, nos cintos ou nas viaturas. Em Wiriamu, Nambuangongo ou noutro local qualquer. 

Embora julgo que não foi esse objectivo principal de Salomé. Mostrar sim as contradições do ser humano. Que parece, em certas ocasiões, capaz de sentimentos vulgares, solidários até (a cena final dos sem-abrigo, debaixo da ponte) e ao mesmo tempo capaz de se deixar levar pelo ódio, pela irracionalidade, pelo interesse (o dinheiro – o episódio de Monte Carlo) e cometer com indiferença as maiores atrocidades contra os seus semelhantes.

A justificação de um criminoso? Julgo que não. Antes um olhar para os que caem para o outro lado da barricada, por falta de inteligência e depois, utilizados, já não poderão regressar...















domingo, 1 de dezembro de 2013

NA CINEMATECA, EM DEZEMBRO...


Um Dezembro cheio de obras-primas na CINEMATECA PORTUGUESA

Se me pedissem para seleccionar uma dúzia de obras para ver teria muita dificuldade, por ter que deixar de fora quase outras tantas: porque há um ciclo de Fritz Lang, no seu exílio americano ao fugir ao nazismo e há também King Vidor, Eric Rohmer, Jules Dassin, “Scaramouche” de George Sidney, António Reis e Margarida Cordeiro, Manoel de Oliveira, John Ford e um muito recente e excelente James Gray (“Two Lovers”, de 2008!), para só falar do que gosto muito.

Em todo o caso aí vai, só com uma nota: 

são todos de autores de que gosto muito e obras que estão na minha lista das muito amadas e pessoalmente considero que algumas são obras-primas absolutas da Sétima Arte.

Os horários respectivos podem ser encontrados no site da Cinemateca.

A ordem é a alfabética dos títulos em português.

Eis a minha lista:

1-Andrei Rubliov (Andrei Rubliov), Andrei Tarkovski, URSS, 1966

2-Antes da Revolução (Prima della Revoluzione), Bernardo Bertolucci, ITA, 1964

3-Os Clowns (I Clowns), Federico Fellini, ITA, 1970

4-Contos da Lua Vaga (Ugetsu Monogatari), Kenji Mizoguchi, JAP, 1953

5-Corrupção (The Big Heat), Fritz Lang, EUA, 1953

6-De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut), Stanley Kubrick, EUA, 1999

7-Os Filhos da Noite (They Live by Night), Nicholas Ray, EUA, 1949

8-Lenda dos Beijos Perdidos (Brigadoon), Vincente Minnelli, EUA, 1954

9-O Leopardo (Il Gattopardo), Luchino Visconti, ITA, 1963

10-Muriel (Muriel), Alain Resnais, FRA, 1963

11-Os Muros do Desespero (La Tête contre les Murs), Georges Franju, FRA, 1959

12-Roma, Cidade Aberta (Roma, Città Aperta), Roberto Rossellini, ITA, 1945


Se não podem ver tudo então não percam pelo menos Visconti, Rossellini, Fellini, Kubrick, Mizoguchi e Lang, por esta ou outra ordem.


Nota: A imagem é de “O Túmulo Índio” (Das Indiche Grabmal), de Fritz Lang, ALE, 1959, no seu regresso à Alemanha natal, depois do exílio nos EUA, para escapar ao nazismo. A obra é exibida também este mês.

"A penúltima obra de Fritz Lang foi o chamado “díptico indiano”, que apresentaremos em duas sessões consecutivas: DER TIGER VON ESCHNAPUR e DAS INDISCHE GRABMAL. Ao regressar ao cinema alemão, depois de uma ausência de vinte e sete anos, Lang retomou um projeto de juventude, bastante próximo das aventuras folhetinescas que estiveram na origem de algumas das suas obras-primas mudas, como DIE SPINNEN e MABUSE, DER SPIELER. Nesta extravagante história filmada em Eastmancolor, um jovem arquiteto europeu chamado por um marajá para construir um túmulo, apaixona-se por uma dançarina sagrada e acaba por fugir com ela. Mais uma vez, Lang demonstra a preponderância da mise en scène sobre a trama narrativa. “Estamos num mundo de volumes, de luzes e de cores, em que a luta se trava tanto entre os sentimentos como entre as formas” (João Bénard da Costa). 
(no programa da Cinemateca, de Dez2013)



sexta-feira, 29 de novembro de 2013

LE HAVRE


LE HAVRE, de Aki Kaurismaki

Foi um dos filmes estreados em 2012 nesta cidade onde vivo, que então não cheguei a poder ver. 

Por já conhecer alguns dos filmes deste famoso realizador finlandês (Orimattila, 4-Abr-1957), por muitos considerado um dos grandes nomes do cinema contemporâneo, opinião que partilho por já conhecer alguns das suas obras maiores, que passaram felizmente por cá, não quis deixar de o ver agora, em sessão organizada em colaboração com o ABC Cine-Clube. 

Uma vez mais utilizando o seu estilo muito próprio, com uma fotografia que me faz lembrar às vezes as grandes obras do hiper-realismo da pintura, com diálogos reduzidos ao essencial e sempre com as questões sociais contemporâneas em primeiro plano, LE HAVRE tem de novo em relação ao que conhecíamos o encantamento de uma história de gente boa que contraria o mundo desapiedado, frio, cruel, em que a exploração dos trabalhadores aumenta, em que a xenofobia cresce, em que as diferenças sociais atingem níveis nunca julgados possíveis, em que políticos venais e medíocres servem os interesses do grande capital (como os que infelizmente estão no poder no nosso país), tudo isto é a lamentável Europa do início do século XXI, que urge combater antes que rebente e volte a fazer milhões de vítimas, como por duas vezes no século XX, em 1914-1918 e 1938-1945. 

E para isso é necessário que a gente boa se una e lute, para que se criem condições para aquela gente actualmente no poder seja afastada e uma nova política surja, a caminho de uma sociedade mais justa, em que os direitos dos povos sejam respeitados e a exploração diminua e tenda para o seu fim.

Um brevíssimo relato do argumento: um escritor em dificuldades, trabalha como engraxador no Havre, a cidade portuária da Normandia, onde vive com a mulher que entretanto adoece. O engraxador encontra um jovem imigrante africano, que deveria ir para Londres, onde a família o espera e que desembarcou forçadamente naquele porto da Normandia, e por isso foge à polícia que o quer reenviar para o país de origem. O engraxador irá ajudá-lo, escondendo-o em sua casa e na dos vizinhos, numa cadeia de solidariedades, a que um inspector da polícia também se associa. E apesar dos delatores fascistas que odeiam os imigrantes e os denunciam à polícia, das rusgas e buscas policiais, o jovem, ajudado pelos seus novos amigos, consegue escapar e seguir para Londres. 

Uma belíssima obra de Aki Kaurismaki.


EM DIRECÇÃO AOS CÉUS


EM DIRECÇÃO AOS CÉUS

de Ödön von Horváth (Susak, Fiume, Império Austro-Húngaro, 8-Dez-1901 – Paris, 1-Jun-1938)

Eu ainda não tinha 6 meses quando Horváth morreu aos 36 anos. Caminhava nos Campos Elísios, em Paris, e subitamente abate-se sobre a cidade uma tempestade e uma grande árvore cai, subterrando alguns transeuntes. Um deles era o escritor, que teve morte imediata. Uma ocorrência fatal que parece saída da imaginação fértil do próprio Horváth. 

Se falo nisto é porque desconhecia os pormenores, que li nos textos da Companhia de Teatro de Almada, relativos aos espectáculos que sobem à cena. E julgo que a maioria dos meus amigos facebookianos também o desconheceria.

Horváth levou quase toda a sua vida em luta, pelo menos nas suas obras, contra as injustiças da sociedade em que viveu, acabando por assistir horrorizado à ascensão dos nazis no país que considerava seu, pelo nascimento e pela língua, a Alemanha. Mais tarde, perseguido por eles, viria a considerar-se um apátrida e assistido aos “autos de fé” que os nazis fizeram aos seus livros (e aos de muitos outros grandes autores), queimando-os na praça pública, ainda antes de começarem, numa nova inquisição, a queimar seres vivos nos fornos crematórios de Auschwitz e de mais umas dezenas de campos de concentração e extermínio na Alemanha e nos países ocupados. Horváth já não assistirá todavia a essa fase terrível da vida no seu país e em grande parte da Europa ocidental.

Esta peça, escrita em 1934, pertence já à última fase da obra do escritor, em que ele utiliza um humor, quase sempre cáustico, para apontar também os ridículos dos nazis e dos seus apoiantes e mentores, abandonando o retrato, nu e sem ilusões, de obras anteriores, como por exemplo “Fé, Esperança e Caridade”, onde Luísa Cruz era magnífica no papel de uma das heroínas de Horváth que não sobrevivem numa sociedade que o escritor descreve com muito pessimismo. Peça que havíamos visto representada num excelente tele-filme e agora fomos rever, realizado no início dos anos 90, pela RTP, ainda a Televisão Pública não havia descido aos níveis inacreditavelmente baixos do ponto de vista cultural, como aqueles a que assistimos agora, retrato aliás do estado do país a que chegámos e dos seus desgovernantes, os tais “cratinos”, arrivistas e medíocres sem remédio, que urge erradicar. 

A encenação de Rodrigo Francisco, para a Companhia de Teatro de Almada, com a magnífica colaboração de toda a companhia, onde para além do trabalho dos actores é justo destacar a cenografia de Jean-Guy Lecat, agradou-nos muito, por sublinhar, julgo que muito bem, as intenções do autor. 

Imaginando um S.Pedro (André Gomes) e um Diabo (Luís Vicente) cujas semelhanças são muitas. Levando-nos a crer que, no “céu” ou no “inferno”, seriam facilmente alternativa um do outro. Embora o inferno represente para Horváth a Alemanha dos nazis, os seus guardiões do céu talvez representem a complacência com que os políticos burgueses assistiram à ascensão de Hitler, apadrinhado pelo grande capital germânico. 

Horváth já não chegou a assistir, embora o receasse, no que tudo isto veio a desembocar: uma guerra mundial e muitos milhões de mortos.

Mas ao contrário de peças anteriores, nesta há ainda uma esperança para Horváth, ao juntar, na Terra, finalmente um par feliz, a cantora (Ana Cris) que, a partir de certa altura, recusa vender-se e o aparentemente desajeitado assistente de realização (Duarte Guimarães) , que tinha sido recambiado para a Terra, por S.Pedro achar que não tinha lugar no céu, mesmo depois duma passagem pelo purgatório.



sexta-feira, 22 de novembro de 2013

LA VÉNUS À LA FORRURE (Vénus de Vison)


LA VÉNUS À LA FOURURE (Vénus de Vision)

Polanski regressa com mais um grande filme. Embora este cineasta não chegue a ser verdeiramente um mal amado para a crítica de cinema dominante que infelizmente temos (escapa por exemplo o “O PIANISTA”, THE PIANIST... até o PR que temos disse que gostou... mas houve quem começasse por dizer mal. Posso rir?) , mas uma vez mais as reticências que a sua obra provoca são mais que muitas. 

Agora, provavelmente, por causa do seu humor muito irónico e quase cínico, que bule com uma certa mentalidade muito conservadora que extravasa das páginas de cinema dos jornais dominantes. Relembremos como foi desprezado o seu recente e extraordinário “THE GHOST WRITER” (O Escritor Fantasma), espécie de ajustes de contas com CIA e FBI, que metia a ridículo o colaborador deles, Blair. Polanski era na altura, de novo, ferozmente perseguido pela justiça norte-americana, como aliás nunca deixou de o ser, a pretexto de “atentados à moral”, nos tempos em que por lá viveu. Dá vontade de rir num país onde se pode fazer tudo e mais alguma coisa desde que se tenha poder e dinheiro...

Polanski tem afirmado que sempre desejou fazer um filme apenas com um par de actores, uma mulher e um homem, num cenário único. 

Finalmente conseguiu-o e de uma maneira brilhante, encerrando-nos, a nós seus espectadores, durante 96’ numa sala escura onde vemos um velho palco de teatro, a caminho da decrepitude, no qual dois actores (a bela Emmanuelle Seigner, companheira de Polanski na vida real, como Vanda e Mathieu Amalric, grande actor do cinema francês, no papel de Thomas), se degladiam, numa luta de sexos, com uma certa dose da perversão que a burguesia tanto aprecia mas que, é bem de ver, quase sempre apenas sugerida. 

A referência são os textos do austríaco Leopold von Sacher-Masoch (1895-1936), um dos teorizadores do sado-masoquismo (Sade e Masoch) e a peça que sobre esses textos escreveu o autor do argumento do filme, a partir de peça própria, aliás de grande sucesso de público nos palcos nova-iorquinos, provavelmente pelas razões atrás expostas, o norte-americano David Ives. Notar que quase todos os principais participantes na obra são de ascendência polaca e velhos conhecidos - Polanski, Amalric, Ives.

Polanski não esconde nas entrevistas, que se serviu das técnicas digitais para muitos dos efeitos do filme, mas isso passa despercebido a um espectador comum, como eu... E o cineasta também não se importa de multiplicar os planos para conseguir uma obra que prenda irresistivelmente o espectador, até pela inteligência da realização.

Houve quem falasse em “huis-clos”, espaço fechado, a propósito deste filme e isso é até certo ponto verdade, citando-se até outras obras do realizador, como “CUL-DE-SAC” (O BECO), de 1966, e uma das suas maiores obras primas, em minha opinião, que é “A NOITE DA VINGANÇA” (Death and the Maiden), de 1994. 

O que não consigo aceitar é o que li numa revista de cinema (aliás a melhor que conheço na actualidade, apesar do seu, às vezes, conservadorismo, que nos espanta, principalmente quando abordam o social ou o político) comparando a personagem feminina da “VÉNUS DE VISON”, Vanda (Emmanuelle Seigner), com a de “A NOITE DA VINGANÇA”, Paulina Escobar (Sigourney Weaver). Relembremos que este filme se baseava numa peça de alguém que colaborou com o governo de Unidade Popular de Salvador Allende, Ariel Dorfman, que consegue escapar aos torcionários fascistas e se exila como tantos artistas chilenos, enquanto muitos outros, mais perto de Allende, são assassinados pelos apoiantes de Pinochet (como o famoso e inesquecível cantor, Vitor Jara). 

Sem me querer afastar do assunto relembro só que na obra de Dorfman, a principal personagem feminina, que era uma ex-vítima dos torcionários fascistas do regime de Pinochet, reconhece, por mero acaso, em alguém a quem presta auxílio em sua casa, numa noite tempestuosa, um antigo carrasco das polícias de Pinochet, que a havia brutalmente torturado. Mas ela hesita em vingar-se, acabando por desistir, não procedendo portanto como o tinha feito o seu torturador. 

A cena final dessa obra, que não mais saiu do nosso imaginário cinéfilo, mostra vítima e carrasco, numa mesma sala de concertos, anos depois, anónimos espectadores entre a assistência, como se nos quisesse avisar – “cuidado, que eles andam por aí... e se tornarem a ter poder voltarão a proceder da mesma forma”, numa nota inquietante que o realizador gosta de deixar suspensa.

Em “VÉNUS DE VISON”, é a mulher que sai (uma vez mais?) vencedora do confronto de sexos, o que leva um critico a dizer que o final é ridículo (posso rir?). Polanski diverte-se com coisas mais ou menos sérias, e diverte-nos a nós também. nesta obra não em "A DONZELA E A MORTE" (A noite da vingança). 

E, por favor, depois, quando o filme acabar e o genérico começar a ser projectado, não saiam dos vossos lugares antes que o projector seja definitivamente desligado e o ecrã fique completamente escuro, porque vão assistir a um desfile final, inesperado e fascinante de obras-primas, que não vou revelar... 

A música, de Alexandre Desplat, é magnífica.


quinta-feira, 21 de novembro de 2013

ROCCO E SEUS IRMÃOS

ROCCO I SUOI FRATELLI (Rocco e Seus Irmãos)

Revisto num ciclo, “EUROPA”, organizado pelo ABC CINE-CLUBE, o decano dos cine-clubes lisboetas, o único dos grandes que conseguiu sobreviver até hoje, felizmente.

Uma das obras-primas absolutas de um Mestre. Luchino Visconti (Milão, 2-Nov-1906 – Roma, 17-Mar-1976), encenador de teatro e de ópera e realizador de cinema. Este filme é ainda da sua brilhante fase neo-realista. Depois viriam outras grandes obras, operáticas, ou não fosse ele também um grande encenador de ópera, como SENSO (Sentimento) e IL GATTOPARDO (O Leopardo), inesquecíveis.

É a história de 5 irmãos – Vicenzo, Simone, Rocco, Ciro e Luca, que emigram do Sul (Sicília), pobre, miserável para muitos, para a grande urbe industrial, do Norte, Milão. Acompanham a mãe, a quem a morte recente do marido torna a vida ainda mais difícil. Vão ao encontro do filho mais velho, Vicenzo, que já vive em Milão, com uma carreira breve e frustrada de boxeur.

Depois é a saga do desenraizamento, da busca desesperada de trabalho, precário e difícil, da luta para sobreviver dos imigrantes numa grande cidade, desumana para os que vivem nas margens e são a maioria.

Visconti, num admirável fresco sobre a quase sempre difícil condição humana, mostra-nos os dois extremos a que se guindam ou em que caiem os homens, fruto principalmente das condições de vida, mas também do seu carácter.

É um retrato no masculino, dos cinco irmãos, na sua luta pela sobrevivência mas em que alguns deles (Rocco e os mais novos) procuram manter a integridade da sua família, os Parondi, num meio hostil. Aliás a obra divide-se em 5 capítulos, um para cada um deles.

A acção passa-se nos anos 50 (o filme estreou-se em 1960), quando o boxe, a “nobre arte”, como então lhe chamavam, se torna motivo das paixões populares, mas também do pior, dos oportunistas, empresários em geral, que se movimentam por trás dele (como no grande circo do futebol de alta competição da actualidade), da corrupção e da exploração, num desporto em que a vida humana corre riscos se não for protegida por regras que contenham a violência.

É um retrato no masculino, mas as mulheres não estão ausentes, em figuras admiráveis.

A matriarca da família Parondi, Rosária, numa interpretação brilhante da grande actriz grega, oscarizada aliás noutra obra, Katina Paxinou (Pireu, Atenas, 17-Dez-1900 – 22-Fev-1973), que alguns consideram ser excessiva, num “over-acting” como se diz em inglês. Julgo todavia que se esquecem que era assim que se comportavam os que conseguiam escapar ao modelo social da “boa educação”, quando deixavam os nervos à solta. O que ainda hoje podemos ver, principalmente nas comunidades que entre nós vivem situações semelhantes de desenraizamento social, quase sempre vítimas aliás de segregação social, exploração e ignóbil racismo – nomeadamente os ciganos e os imigrantes africanos pobres.

E Nadia, personagem desempenhada pela bela e grande actriz Annie Girardot (Paris, 25-Out-1931 – 28-Fev-2011), a jovem que cai na prostituição e tem uma relação fatal com Simone mas se apaixona por Rocco (Alain Delon), num hiato de lirismo, num filme trágico e de intenso dramatismo.

E não esqueçamos Claudia Cardinale, na companheira de Vicenzo, o mais velho dos irmãos, actriz que viria a ser, anos mais tarde a protagonista de outra obra-prima de Visconti, O LEOPARDO, numa das suas mais brilhantes interpretações (lembrar o baile e o jantar no palácio).

História trágica e realista dos dramas da emigração, que também passou por nós e está a voltar também para os europeus neste início do século XXI, perante o retrocesso civilizacional a que o estado actual da Luta de Classes conduziu grande parte do mundo, com o regresso ao poder, nomeadamente neste continente, a Europa, do grande capital e da exploração. 

Obra-prima de Luchino Visconti, um comunista por opção de classe, já que era por nascimento um aristocrata. Obra-prima sob quaisquer dos aspectos pelos quais a analizemos – a fotografia a preto-branco de Giuseppe Rotunno, um dos grandes directores italianos de fotografia, a música de Nino Rota, outro nome grande.

Não percam quando puderem, isto é, se alguma vez estiver em exibição perto (ou em DVD, mas isso não é mesma coisa...) e não se assustem com a longa duração da obra, mais de 3 horas na versão original, porque o tempo passa num ápice, tal a intensidade das emoções que Visconti nos transmite magistralmente e nos conduzem inevitavelmente à vida que prossegue fora da sala escura e nos chama para a luta quotidiana. Emoções que nos tocam, a todos julgo, profundamente. E não é um filme pessimista, bem pelo contrário: é nos irmãos mais novos (Ciro, o operário, Luca, ainda uma criança mas já com uma grande aprendizagem da vida e mesmo Rocco, apesar de todo o seu idealismo e sacrifício) que fica a esperança de transformação da vida e também da sociedade, num final da obra comovente.


Ciro


Rocco e Nadia

terça-feira, 19 de novembro de 2013

BALANÇO CINÉFILO 2013 (provisório)

A minha primeira tentativa para fazer um balanço do que gostei mais no grande ecrã de cinema (mas ainda falta mais de um mês para o fecho do ano)

OS 10 MAIS (ordem alfabética...)

Até Amanhã. Camaradas, de Joaquim Leitão
Blue Jasmine, de Woody Allen
O Capital, de Costa-Gravas
Django Libertado, de Quentin Tarantino
A Essência do Amor (To the Wonder), Terrence Malick
Eu e Tu, de Bernardo Bertolucci
Like Someone in Love, de Abbas Kiarostami
Não, de Pablo Larrain
O Profundo Mar Azul, de Terence Davies
Vénus de Vison, de Roman Polanski

OS DOCUMENTÁRIOS PREFERIDOS

A Mãe e o Mar, de Gonçalo Tocha
A Última Encenação de Joaquim Benite - Não basta dizer "Não", de Catarina Neves

UMA SURPRESA
Frances Ha, de Noah Baumbach

UMA DESILUSÃO
Antes da meia-noite, de Richard Linklater

UMA (RE)VISÃO MAGNÍFICA
Tio Vânia, de Andrei Mikhalkov-Konchalovsky

UMA REFERÊNCIA FINAL

A um filme relativamente modesto, sem pretensões cinéfilas, mas cuja visão nos deu prazer por ter a ver connosco: A GAIOLA DOURADA, de Ruben Alves





CINEMA PARAÍSO



CINEMA PARAÍSO, a obra prima de Giuseppe Tornatore, ao vivo
Na Covilhã, numa organização da JCP

ATÉ AMANHÃ, CAMARADAS

Fui ver (e gostei muito!) a recente versão para cinema da adaptação para a TV, de 2005, realizada pelo cineasta Joaquim Leitão (Lisboa, 21-Dez-1956), com argumento de outro cineasta, Luís Filipe Rocha (Lisboa, 16-Nov-1947), de “ATÉ AMANHÃ, CAMARADAS”, obra maior, em minha opinião, da literatura portuguesa, por retratar, julgo que como nenhuma outra, a luta da Resistência Clandestina contra o fascismo. É em 1944 que se situa a acção do romance de Manuel Tiago, pseudónimo literário de Álvaro Cunhal (Coimbra, 10-Nov-1913 – Lisboa, 13-Jun-2005).

A propósito, devo dizer, numa opinião muito pessoal, que a Literatura tem para mim uma significativa vantagem sobre o Cinema, do ponto de vista da liberdade de interpretação pelo leitor/espectador. Será por isso que as adaptações ao cinema das grandes obras literárias raramente conseguem atingir o mesmo nível de qualidade. Ressalvem-se algumas excepções, como Kubrick / Nabukov, em “Lolita” ou Oliveira / Agustina, em “Vale Abraão”. Não se espere por isso que uma obra de inegável qualidade como é este filme de Joaquim Leitão consiga guindar-se ao nível da obra-prima que é o romance. Mas julgo que se trata de um belíssima obra de cinema, com uma notabílissima direcção de actores, de que não vou destacar nomes porque me parece haver uma grande sintonia entre eles e a obra que representaram e dá a sensação de terem feito o seu melhor e são todos muito bons! Obra que julgo nos consegue apesar de tudo dar o essencial daqueles retratos humanos que o romance nos oferece em toda a sua complexidade.

Para o espectador, a imagem que fica da obra, apesar da luta sem tréguas travada contra o fascismo, pelos militantes clandestinos do Partido Comunista Português, ilegal para o regime, luta que se salda por vezes por uma enorme repressão, sangrenta, impiedosa e desumana, contra quem não utiliza a violência e apenas encabeça as lutas pelas reivindicações de melhorias de vida e conquista de direitos inerentes à condição humana, a obra constitui um grito de esperança e não nos esqueçamos que se desenrola quando ainda a Segunda Guerra Mundial decorria (1938-1945), de esperança na medida em que os fascistas, mesmo prendendo, torturando, assassinando os resistentes mais destacados, nunca conseguem calar a revolta do povo, e novos elementos revolucionários surgem para substituir os presos e os assassinados pelos fascistas. Esta luta só iria terminar em 1974, com a vitória da Resistência e a eclosão da Revolução de Abril. E o filme também mostra, muito bem, que raramente há desumanidade entre os oprimidos, porque são superiores os seus objectivos, de transformação da sociedade, no sentido da justiça social, da liberdade, da igualdade e da fraternidade entre os homens.

Peço aos amigos que não deixem de ver a obra, embora ela esteja restringida a duas únicas sessões diárias, em salas diferentes, nesta grande urbe de um milhão de habitantes onde vivemos onde proliferam os cinemas “multiplex”, mas em geral com programações muito medíocres. Porquê?

Gostava de terminar com o parágrafo final de um belo prefácio sobre o romance “ATÉ AMANHÃ, CAMARADAS”, escrito por um dos maiores especialistas portugueses em Literatura, o professor universitário Óscar Lopes (Leça da Palmeira, 2-Out-1917 – Matosinhos, 22-Mar-2013):

“(...) Evidenciam-nos que a vida é inesgotável; repetindo Guimarães Rosa, diria que a lição do livro é a de que viver (ou Viver, com maíscula) é perigoso. Sentem-no aqueles que inteiramente se comprometem a melhorá-la. E eles até mesmo nos ajudam a sentir que muito existe ainda sem nome, à espera de coragem, pois de coragem é, em grande parte, feita a capacidade de entender, de sentir a fundo, e de acertar.”




Nota: 

Este texto foi escrito a pensar no Facebook e em quem nos lê e também nos Amigos que por lá se encontram, que sabemos que arriscaram a sua vida para melhorar a de todos nós. Tenho uma enorme admiração por eles. Afinal são eles os heróis da obra “ATÉ AMANHÃ, CAMARADAS”.

(publicado no facebook)







domingo, 10 de novembro de 2013

NA SEMANA CULTURAL DE 2013, DO INTERVALO GRUPO DE TEATRO

Na Semana Cultural de 2012 assisti praticamente a tudo. Este ano, infelizmente, apenas pude estar presente na última sessão, até porque teria um desgosto se não tivesse lá estado pelo menos uma vez.
Não foi no Auditório Lourdes Norberto, Linda-a-Velha, onde é a casa habitual do Intervalo Grupo de Teatro, mas no Auditório Ruy de Carvalho, no Centro Cívico de Carnaxide. 
Foi a homenagem do Intervalo a Álvaro Cunhal (Coimbra, 10-Nov-1913 - Lisboa, 13-Jan-2005), no ano do centenário do seu nascimento, que se tem vindo a comemorar desde o início do ano (e vai continuar), em geral por iniciativa do seu partido, o Partido Comunista Português.
Mas desta vez foi um grupo de teatro, de que tanto gostamos, que resolveu incluir também uma homenagem, na sua Semana Cultural, que se realiza há cerca de 30 anos, julgo que sem interrupção e por onde têm passado grandes figuras da nossa Cultura.
Aliás Armando Caldas, o director e encenador principal do grupo, contou nesta sessão como convidou Álvaro Cunhal para participar (que logo aceitou), juntamente com os dirigentes dos principais partidos portugueses, numa sessão comemorativa do 25º Aniversário do Intervalo (fez este ano 43, salvo erro) e como ela acabou por não se poder realizar por ausência dos outros convidados, que aliás haviam anuído previamente...
Mas, voltando à sessão de anteontem, a que assistimos, queremos dizer que gostámos muito.
É que Armando Caldas, com a sua inteligência e sensibilidade, organizou uma sessão que primou pela sobriedade, mas de uma qualidade superior.
Onde a habitual intervenção sobre o homenageado da noite, desta vez, em homenagem infelizmente póstuma, foi entregue a José Barata Moura, filósofo e intelectual multi-facetado, que vai desde a cátedra universitária (passando também pela responsabilidade durante alguns anos da Reitoria da Universidade), à obra escrita, em que avulta a tradução e estudo de Marx e Lenin, até à música, como autor e cantor, com especial relevo para os seus trabalhos para a infância. 
Escusado será dizer que a intervenção foi brilhante, combatendo preconceitos sobre o homenageado, sobre o seu pretenso dogmatismo, mostrando, até com citações de Álvaro Cunhal, como ele analisou a situação política do país e não só, com incursões históricas também, à luz do Marxismo, que continua a revelar toda a sua superioridade como teoria de análise da realidade. E referiu também a componente artística de Álvaro Cunhal, os seus trabalhos, brilhantes, nos campos da literatura, pintura e desenho e, o que nos toca profundamente, referindo uma vez mais a sua ausência de dogmatismo também relativamente à Arte, no seu trabalho "A Arte, o Artista e a Sociedade".
O momento de música que completa estas homenagens não podia ficar melhor entregue! Foi o Coro Lopes-Graça, da Academia de Amadores de Música, dirigido pelo maestro José Robert, com as Canções Heróicas, que foram proibidas durante o fascismo salazarista, e escritas por alguns dos grandes poetas portugueses. 
Foi por vezes emocionante e até comovente, com o grande final, à capella, de "ISTO VAI, MEUS AMIGOS ISTO VAI", de Ary dos Santos e "ACORDAI", de José Gomes Ferreira. A genial música de Fernando Lopes Graça, foi tocada, magnificamente, pelo pianista Fausto Neves. 
Tenho pena de não ter levado a maquineta no bolso para registar esses momentos finais (embora sem som), com a fotografia do homenageado em fundo e os artistas em palco e o público de pé, aplaudindo longamente!

Fica aí o programa que ouvimos, embora o alinhamento fosse ligeiramente diferente:

Oito canções heróicas para Coro e piano – música de Fernando Lopes-Graça

1. Gafanhoto caracol (poesia de Mário Dionísio)
2. Canção campista (poesia de José Gomes Ferreira)
3. Canção do camponês (poesia de Arquimedes da Silva Santos)
4. Mãe pobre (poesia de Carlos de Oliveira)
5. Ó pastor que choras (poesia de José Gomes Ferreira)
6. As papoilas (poesia de José Gomes Ferreira)
7. Ronda (poesia de João José Cochofel)
8. Quando a alegria for de todos (poesia de André Varga)

II parte

Oito canções heróicas para Coro e piano – música de Fernando Lopes-Graça

1. Canto do Livre (poesia de Soares de Passos)
2. Cantemos o novo dia (poesia de Luísa Irene)
3. Exaltação (poesia de Miguel Torga)
4. Canto de esperança (poesia de Mário Dionísio)
5. Canção de maio (poesia de Joaquim Namorado)
6. Combate (poesia de Joaquim Namorado)
7. Canto de Paz (poesia de Carlos de Oliveira)
8. Jornada (poesia de José Gomes Ferreira)

Duas canções heróicas (à Capella) – música Fernando Lopes-Graça

1. Isto vai, meu amigos isto vai (poesia de Ary dos Santos)
2. Acordai (poesia de José Gomes Ferreira)

Piano - Fausto Neves.
Direcção - Maestro José Robert.


Obs: Retirei a foto publicada do mural do Intervalo Grupo de Teatro, com os meus agradecimentos