Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

sexta-feira, 2 de junho de 2017

O JOVEM KARL MARX, de RAOUL PECK



PRIMEIRA NOTA

Hoje, com todo este barulho, um tanto ou quanto acéfalo, de Fátima e de Futebol, e de buzinas a apitar, estou sem cabeça para escrever alguma coisa. 
Assim que puder fá-lo-ei a propósito do filme, O JOVEM KARL MARX, do cineasta nascido em Port-au-Prince no Haiti, Raoul Peck (ver foto), já autor de um famoso filme sobre LUMUMBA, o grande revolucionário africano, assassinado pelo colonialismo. De novo com a participação de Paul Bonitzer (ver foto), na escrita do argumento.

Gostei e recomendo aos Amig@s a sua visão. 

Destacando-se de tanta obra medíocre em exibição na nossa cidade e que a crítica do nosso descontentamento inacreditavelmente sobrevaloriza (não vou citar para não causar polémica), eis um filme inteligente na sua aparente simplicidade, que nos encanta, e do qual saímos a pensar que gostaríamos de rever na primeira oportunidade.

A obra, fala da juventude de Karl Marx, da sua companheira Jenny Von Westphalen, do seu grande amigo Frederich Engels e da sua companheira, a jovem operária irlandesa, Mary Burns, aliás magnificamente interpretados pelas actrizes e actores do filme. 

O filme termina com a primeira edição do MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA, em 1848, escrito pelos dois Revolucionários, com a colaboração das suas companheiras.

A minha opinião cinéfila é que os amig@s não percam. E julgo que o retrato dado na obra, da figura de um dos filósofos mais importantes de sempre, KARL MARX, está tratada sem preconceitos anticomunistas e reaccionários, mostrando várias facetas do genial pensador e revolucionário, cujas obras continuam de uma enorme actualidade apesar de tudo o que aconteceu depois, neste mais de um século e meio de História.

SEGUNDA NOTA - AINDA A PROPÓSITO DE "O JOVEM KARL MARX", UM BELÍSSIMO FILME DE RAOUL PECK

Peço-vos, vejam este modesto texto apenas como um comentário despretensioso de um ser humano interessado nas melhorias, reais e efectivas, do mundo em que vive. Alguns momentos da obra que me impressionaram, recorrendo apenas à memória cinéfila e sem ordem cronológica:

Os diálogos entre os Engels, pai capitalista e filho revolucionário. Incluindo as magníficas cenas na fábrica, perante as trabalhadoras, com a perseguição às mais lutadoras. 

O diálogo de Karl Marx e Engels, num clube onde as mulheres não são admitidas, com um grande capitalista, amigo do pai de Engels, no qual as posições políticas de todos ficam muito bem definidas. 

A primeira reunião na Liga dos Justos, com os dirigentes operários, ainda influenciados pelas ideias anarquistas. 

As discussões políticas com os dirigentes operários, influenciados por idealistas, reformistas e populistas, onde Marx e Engels contrapõem a necessidade de um conhecimento e uma teoria política, indispensável para atacar e derrotar o poder burguês. Não basta gritar "Venceremos!", nem dispor apenas de um grupo mais ou menos reduzido de revolucionários, por muito corajoso que seja, embora ele seja indispensável. 

O congresso da Liga, do qual sairá a Liga dos Comunistas, com a retirada dos seguidores e apoiantes de Proudhon, aliás julgo que todos magnificamente caracterizados, até fisicamente, com a sua arrogância tipicamente burguesa (o que é que mudou nas ideias e na postura nos tempos actuais? A terceira via não era, nem nunca será possível numa luta entre as duas classes sociais antagónicas). 

A elaboração do Manifesto, por Marx e Engels, com a admirável, sempre atenta, colaboração das companheiras, Jenny e Mary. 

O filme termina com as cenas da impressão do Manifesto mas até ao fim da sua vida Marx concluiria, entre muitos outros escritos, uma das obras fundamentais da filosofia universal que é "O Capital". Hoje, cerca de 170 anos depois da publicação do Manifesto que é que mudou, apesar da sua flagrante actualidade em termos gerais? Acima de tudo relembrar que houve um enorme enriquecimento da teoria revolucionária pela experiência concreta dos que fizeram as Revoluções Socialistas que depois aconteceram, mesmo que algumas não vitoriosas. Em primeiro a Revolução de Outubro, em 1917 na Rússia, que deu origem ao primeiro estado na história da Humanidade com os trabalhadores no poder e que haveria de durar cerca de 7 décadas, com enormes progressos sociais e científicos. Donde surgiram os textos fundamentais da teoria política, o marxismo-leninismo, de Lenine e de mais alguns revolucionários que se lhe seguiram. E também das revoluções no Oriente, vitoriosas, nomeadamente e até hoje na China, Coreia e Vietname. E no Leste Europeu, dando origem a vários regimes socialistas. E na América Latina (principalmente no México e na ainda vitoriosa Cuba). E em África, com muitos avanços e recuos e a grande vitória sobre o apartheid na África do Sul. Nas lutas anti-fascistas, de onde se destaca Portugal e a Revolução de Abril, com os grandes textos de Álvaro Cunhal. Tudo experiências muito diversas, mas tendo sempre um objectivo comum, chegar ao Socialismo. E em muitas outras partes do mundo, sempre em luta por mais liberdade e democracia para os povos.

Não esquecer também, que houve, perante a agressividade das políticas da burguesia em situações de crises graves do capitalismo, a necessidade da formação de Frentes Populares (nomeadamente em França, Espanha, Chile), que nunca conseguiram todavia passar à etapa seguinte, devido aos violentos ataques das forças burguesas, sob a forma de fascismo. 

Numa conclusão final, uma sugestão: não percam esta belíssima obra, com muitos outros momentos que ficam na nossa memória cinéfila, como a fuga à polícia, em França, dos dois amigos revolucionários, alvo de perseguições constantes, acabando Marx, Jenny, a filha ainda quase um bebé, por serem expulsos de território francês em apenas 24 horas, sem possibilidade de apelo.

Sobre o realizador, Raoul Peck, haitiano de nascimento, em Port-au-Prince, em 1953, salientemos que realizou além deste filme mais dois notáveis documentários, um, "Lumumba", que ainda não vimos e julgamos nunca ter sido distribuído em Portugal, sobre o revolucionário congolês, Patrice Lumumba (1925-1961), assassinado pelos colonialistas, e outro, "Eu Não Sou o Teu Negro", sobre a luta anti-racista e pelos direitos humanos nos EUA, e sobre os assassínios de Medgar Evers, Martin Luther King e Malcom X, baseado num texto do escritor James Baldwin, filme que vimos há dias nos cinemas da nossa cidade e é também muito bom. Saliente-se ainda que Peck contou com a colaboração Pascal Bonitzer (Paris, 1-Fev-1946), realizador e argumentista francês que havia já participado em obras de qualidade de Jacques Rivette e André Téchinè.

NÃO PERCAM "O JOVEM KARL MARX" ! Antes que os péssimos distribuidores que temos o retirem de exibição, não vá ele ainda ser visto por grandes massas de espectadores. O espectro continua assustar os exploradores e os reaccionários...






EU NÃO SOU O TEU NEGRO (I AM NOT YOUR NEGRO), de RAOUL PECK



Só uma pequeníssima nota do muito que haveria a dizer sobre mais uma obra notável do realizador haitiano, RAOUL PECK (Port-au-Prince, 1953), um homem de cultura, autor de "LUMUMBA" e de "O JOVEM KARL MARX", este último filme da sessão de gala no Festival de Berlim e que víramos com muito interesse há dias e do facto demos notícia aos amigos. 

Esta nova obra, "I AM NOT YOUR NEGRO" baseia-se nas notas deixadas pelo escritor e activista dos direitos cívicos nos EUA, JAMES BALDWIN (1924-1987), que pretendia escrever uma obra sobre a luta anti-racista no seu país, homenageando simultâneamente três grandes dirigentes negros assassinados, Medgar Evers, Malcom X e Martin Luther King, que foram seus amigos e companheiros de luta. 

Repositório tremendo do que tem sido a luta pelos direitos cívicos nos EUA e continua muito actual, dado o retrocesso civilizacional naquele país e no mundo capitalista, responsável pelo crescimento da extrema-direita, do racismo e da xenofobia, como também na actual união europeia. 

Medgar Evers, foi o primeiro a ser assassinado, como sempre por um activista de direita, membro da Ku Klux Klan, Byron De Le Beckwith, que no entanto escapou à justiça durante 30 anos, só vindo a ser julgado e condenado pelo crime em 1994 (!!!). 

Impressionante o relatório do FBI sobre James Baldwin, essa tenebrosa instituição então dirigida pelo famoso, pelas piores razões, Edgar G. Hoover. 

Na actualidade dos textos e discursos de Baldwin (alguns na voz de Samuel L.Jackson) refira-se a sua afirmação de que tudo está nas mãos do povo norte-americano. Sabemos o que isso significa de necessidade de luta organizada e de esclarecimento de uma população que o é muito pouco. 

Curiosidade pelo surgimento nas imagens de actores famosos, apoiantes das causas cívicas, entre os quais, um dos que traiu ideais e companheiros, Charlton Heston, aliás mau actor, que viria a mudar de barricada e a tornar-se presidente da NRA (National Riffle Association), activista contra o aborto, apoiante de Reagan e dos Bush. 

Haveria muito a acrescentar sobre esta magnífica obra de Raoul Peck, mas não havendo aqui e agora nem tempo nem espaço fica a fortíssima sugestão aos amigos facebookianos para não a perderem. 
Vi no Cinema Ideal, ao Camões, em Lisboa. 

Às imagens que juntei adicionei a do jornalista Mumia Abu Jamal, que embora não seja citado na obra, é uma das vítimas da perseguição racista nos EUA, continuando preso.








A RUA DA VERGONHA, de KENJI MZOGUCHI



A RUA DA VERGONHA (Alasen Chitai) (1956), de KENJI MOZOGUCHI

Um dos filmes mais duros do grande cineasta nipónico, contra o capitalismo, sistema que assentando na mais crua exploração do homem pelo homem, ocasiona que seres humanos acabem por vender até o próprio o corpo para sobreviver.

Os comerciantes do sexo, os proxenetas e afins, justificam-se dizendo que no fim de contas prestam assistência social, não interessa se daí tiram chorudos lucros, como Mizoguchi repete várias vezes. Mas não é isso na prática que fazem os que ajudam a manter a pobreza para depois dela tirarem proveitos, em negócios vários de assistência social?

Não sei se o negócio da prostituição continua legal no Japão, como o era no nosso País, durante o fascismo dos tempos do salazar e cerejeira (o tal que era cardeal patriarca) e que depois disso a política de direita já tentou reactivar no nosso País. 
Mizoguchi realizou esta obra-prima quando, no pós-guerra, o parlamento japonês, tornado mais democrático, e julgo que já depois de terminada ocupação norte-americana do país, quis aprovar a ilegalização da prostituição, o que provocou de imediato um coro de protestos, dos utilizadores das casas, muitos da alta burguesia, e dos seus proprietários.
"Rua da Vergonha" é um retrato admirável de várias mulheres que, quase todas, por impossibilidade de sobrevivência sua e da sua família, se tornam gueixas, escravas dos donos dos bordéis.

Entre as várias e impressionantes cenas do filme, lembrar a do filho criado com sangue, suor e lágrimas pela gueixa e que depois repudia a mãe, ou a do pai que utiliza bordéis mas depois, perante o caso conhecido da própria filha, que a sociedade condena mas utiliza, procura convence-la a abandonar o bordel ou, o mais trágico de todos, na cena final da obra, da iniciação de uma mulher ainda quase criança, utilizada para substituir alguém que morreu, por ter sido assassinada por um cliente transtornado.

"A Rua da Vergonha" é outra das grandes obras deste mestre da Sétima Arte. Tê-la realizado nos anos 50, num Japão imperial, na ascensão do capitalismo do pós-guerra, revela coragem.





A SENHORA OYU, de KENJI MIZOGUCHI



A SENHORA OYU (Yöu-Sama)

Aparentemente é apenas um muito belo e puro melodrama, se não repararmos nas implicações sociais, sociológicas, de um argumento, sempre brilhante, de Yoda Yoshikata (Japão, 1951).

Mais uma obra-prima deste realizador, do seu argumentista, não esquecendo os seus actores e actrizes, que são admiráveis, apesar das dificuldades em trabalhar com Kenji Mizoguchi, que pouco explicava do que queria, segundo Paulo Rocha, que também realizou obras no Japão, anos mais tarde (o belíssimo A Ilha dos Amores, sobre Wenceslau de Morais).

A propósito do epitáfio no túmulo do cineasta - "Aqui jaz o maior cineasta do mundo" - o antigo director da Cinemateca Portuguesa, João Bénard da Costa, apesar da sua filiação católica, escreveu:

"Quem não conhece os filmes analisados neste volume (catálogo da Cinemateca que lhe foi dedicado) - e que são pouco mais que um terço de tudo quanto fez - achará que o (autor do epitáfio) exagerou.

John Ford, Fritz Lang, Carl Th. Dreyer, Jean Renoir, entre os cineastas que, como Mizoguchi, começaram no cinema mudo e continuaram, sem solução de continuidade no sonoro, são os únicos que vejo de quem se pode dizer que foram tão grandes como Mizoguchi. De maiores, não sei de nenhum."

(mas, em minha opinião, provavelmente Bénard esqueceu-se, pelo menos, de Serguei Eisenstein, que é outro grande nome da arte cinematográfica universal)

Mas mais ou menos o mesmo, acerca da grandeza de Mizoguchi, foi dito por outros grandes cineastas, como Orson Welles ou Jean-Luc Godard.

Pessoalmente considero o famoso trio do cinema japonês e universal - Kurosawa, Ozu e Mizoguchi - como estando no relativamente reduzido número dos meus cineastas preferidos, quando penso em termos da globalidade das suas obras. Mas quando tenho que escolher as obras-primas que mais me impressionaram então Mizoguchi surge sempre entre os primeiros.

"A Senhora Oyu" é também outra história de amor impossível, de que Mizoguchi tantas vezes fala, embora por diferentes razões.

Nesta obra, que fala de uma sociedade em que os casamentos são acordados no seio das famílias mais poderosas, e não pelos amantes, é uma atracção súbita que conduz à paixão e sobreleva tudo o mais, que irá provocar o sacrifício do amor das duas irmãs. Trágico e belo, apesar de tudo!

E sempre com uma delicadeza de tratamento dos grandes sentimentos humanos que a nós, espectadores ocidentais do cinema hollywoodiano e seus seguidores, ainda nos surpreende, por estarmos habituados a um tratamento em geral demasiado primário e às vezes até grosseiro. 



E não é pela questão de mostrar ou não corpos nus ou cenas de amor físico, mas por questões muito mais profundas. A título de exemplo, muito longe do estilo de Mizoguchi estará "Lady Chatterley" (2007), baseado no romance de D.H.Lawrence (1928), realizado pela cineasta francesa Pascale Ferran, e no entanto, quer no aspecto estético quer no seu todo, é outra obra que consideramos admirável. Também porque, como em Mizoguchi, existe o mesmo respeito pelo Homem e pelos seus sentimentos. Mas sei que esta comparação será polémica! Paciência... É a Sétima Arte, como a vejo!





A IMPERATRIZ YANG KWEI-FEI, de KENJI MIZOGUCHI

A IMPERATRIZ YANG KWEI FEI (Yokihi) (1955), o primeiro filme a cores do grande mestre japonês e logo no dizer da crítica, "essas fantásticas cores que fazem desta obra um dos mais belos filmes a cores da história do cinema" (Bénard da Costa).

Do cineasta disse Jean-Luc Godard que era "o melhor dos realizadores japoneses. Ou, simplesmente, um dos melhores realizadores do mundo."

A obra é, uma vez mais em Mizoguchi, uma história de amor impossível, em que o elo mais fraco é sempre a mulher. Passada na China feudal do século VIII ou IX, entre lutas entre senhores da guerra, em que o povo serve sempre para carne para canhão, descreve as lutas pelo poder na corte imperial, com corrupção e intrigas. 
Mizoguchi, culto e admirador confesso da história do grande vizinho, adapta uma história chinesa, com a colaboração uma vez mais do seu grande argumentista, Yota Yoshikata, um homem culto e progressista. 

A assistência, numerosa para uma sessão deste tipo, num início de tarde de um dia de semana, assistiu impressionada, comoveu-se e saíu em silêncio, rendida à arte de Mizoguchi.

Kwei Fei é sacrificada aos interesses em luta, ou sacrifica-se para salvar o amante. Mas não é esquecida por ele. O Amor em tempos conturbados.