Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

SOBRE YASUJIRO OZU



SOBRE YASUJIRO OZU (Tóquio, 15-DEZ-1903 - 15-DEZ-1963)

Georges Sadoul (Nancy, 4-Fev-1904 - Paris, 13-Out-1967), grande estudioso do cinema que continua a ser uma referência entre os cinéfilos, julgo eu, chamou-lhe em 1965, no seu "Dicionário dos Cineastas", "um grande clássico".

A visão de mais três dos seus filmes, agora digitalizados e restaurados, e em exibição até ao final de Agosto no cinema NIMAS em Lisboa, seguindo depois para o T.M. Campo Alegre, no Porto, veio confirmar uma vez mais, meio século depois, a justeza da opinião de Sadoul.

Sobre OZU já foi dito e escrito muito. Eu, modesto apaixonado pela Arte das Imagens não poderei dizer nada de novo sobre a admirável obra deste cineasta, cujas personagens são pessoas comuns, pequena burguesia que habita nos subúrbios das grandes cidades, mas aonde quase sempre trabalha. 

Não há em geral histórias complicadas nos seus filmes, embora possamos entrever às vezes dramas que todavia Ozu não chega a aprofundar. No entanto o cineasta ao narrar pequenos episódios da vida comum fá-lo com uma tão grande sobriedade, uma clareza, um estilo duma fluência tal que tocam os espectadores mais empedernidos. Talvez esteja aí o segredo do grande sucesso deste realizador japonês que fala exclusivamente das gentes do seu país, junto do grande público e dos críticos de cinema, mesmo entre os mais conservadores.

As suas personagens exibem uma serenidade que suponho reflectir o modo de estar comum na sociedade japonesa entre os que vivem do seu trabalho, a despeito da violência, e dos excessos por que é infelizmente conhecida: os samurais, os kamikazes, a extrema crueldade nas guerras de invasão que o Japão imperial tem feito ao longo da sua história, são factos que quase ninguém ignora.

Curioso que seja numa das suas últimas obras agora exibidas, de 1959, BOM DIA (OHAYÔ), realizada quando o Japão sofria um processo acelerado de ocidentalização, com a presença no seu país dos norte-americanos no pós-grande guerra depois da derrota resultante da trágica aventura do império japonês ao lado dos nazi-fascistas, os heróis sejam crianças, dois irmãos, e que pela primeira vez nas obras que conhecemos as personagens de Ozu tenham um comportamento abertamente contestador das regras sociais fazendo greve, isto é, não falando em casa e na escola para obrigar os pais a comprarem-lhes uma televisão, então objecto raro nos lares mais modestos. 

Sob um humor, por vezes quase chaplinesco a obra é o entanto um pouco amarga, mostrando as intrigas mesquinhas e mal intencionadas dos pequenos meios, que todos conhecemos tão bem ainda hoje e as dificuldades do relacionamento entre seres humanos, principalmente entre os sexos, numa sociedade como aquela em que Ozu viveu. 

O que é certo é que, apesar de tudo o que se passou desde então neste meio século, com todos os avanços tecnológicos acompanhados em geral, pelo menos na nossa sociedade ocidental, de grandes retrocessos civilizacionais, compreendemos perfeitamente o que Ozu quis dizer. 

Por razões históricas? Talvez mas também porque subtilmente Ozu vai criticando males da sociedade. Embora Ozu só o mostre em relação às duas crianças e por uma causa insignificante - o desejo de ver combates de sumo, desporto muito popular no Japão (embora... a televisão vá criar 100 milhões de idiotas, diz Ozu pela boca de uma das suas personagens adultas!!!), nada se consegue sem luta. 

Talvez seja esta a conclusão principal de "BOM DIA". E uma indicação de que Ozu acreditava, nesse início dos anos 60, que a sociedade em geral e do seu país em particular iria mudar para melhor e não mais haveria condições para se repetirem as aventuras militaristas e fascistas do governo do seu país, que tinham causado poucos anos antes milhões de mortos, inclusive no próprio Japão, vítima ele também da arrogância e desprezo pela vida humana dos generais norte-americanos, os vencedores, causando muitos milhares de vítimas inocentes entre as populações civis indefesas em Hiroshima e Nagasaqui, com o lançamento criminoso e desnecessário de duas bombas atómicas sobre alvos civis. 

Só uma pequena nota mais, embora admitindo que talvez haja quem a ache estranha: o estilo sóbrio mas de uma elegância formal rara de Ozu faz-me lembrar o de outros também grandes criadores, de que gosto igualmente muito, noutras artes, como a título de exmplo, na literatura, o que considero ser um dos maiores escritores de língua portuguesa, Machado de Assis, embora no caso deste as suas histórias se desloquem para os meios da média e mesmo alta burguesia. 

Mas o prazer perante a obra de arte é o mesmo. 



Nota: Na imagem a actriz Kuniko Miyake (Saitama, 17-Set-1916 - 4-Nov-1992), em Taniko Hayaashi, a mãe dos dois irmãos, pequenos heróis do filme. Magnifica interpretação, aliás. Mas não deixamos de sentir um aperto no coração quando lemos que já nos deixou há mais de duas décadas... Mas a delicada personagem que representou essa é eterna.