Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

sábado, 25 de novembro de 2017

OBRIGADO, INTERVALO GRUPO DE TEATRO



OBRIGADO, INTERVALO !

Quando as representações de "Dom Quixote", o último grande sucesso do INTERVALO GRUPO DE TEATRO, estão a chegar ao fim, queria manifestar a minha gratidão como espectador das belíssimas encenações e representações deste grupo a que assisti ultimamente, mas nunca esquecendo o longo trabalho de qualidade que ele vem fazendo desde os anos 60 do século passado, sempre sob a direcção do grande homem de teatro, encenador e actor, que é o Armando Caldas. 

Entre as quais é justo destacar "Ratos e Homens", "Doze Homens em Fúria", "Sonho de uma Noite de Verão" e "Dom Quixote". 

Não vou referir agora qual o meu favorito, dizer apenas que foram grandes espectáculos, admiravelmente encenados e interpretados. Pela elevadíssima tensão dramática que quase todos eles conseguiram criar num público habituado a ver muito e bom teatro, neste palco e noutros do nosso País, com as melhores companhias que temos e felizmente são bastantes, reitero a ideia de que alguns deles mereciam ser representados noutros palcos, para maiores assistências.

Por iniciativa de um amigo, o programa da representação do "Dom Quixote" foi autografado pelos actores presentes, num dia em que por doença não pude estar presente. Como espectador agradeço com emoção o gesto e será mais um dos autógrafos que tenho (e não são muitos porque só os peço quanto admiro os autores), este até com um especial simbolismo, que muito aprecio, porque é colectivo! E duma companhia em que o colectivo não é palavra vã!

Obrigado Miguel Almeida, Hélder Anacleto, Fernando Tavares Marques, Fernando Dias, João Pinho, João José Castro, Adriana Rocha, Rita Bicho, Miguel Partidário, Pedro Beirão, Dina Santos, Cristina Miranda, Luís Herlander, Pedro Pinto, Dulce Moreira, Fátima Morais, Carlos Paiva e Armando Caldas. (espero não me ter esquecido de ninguém deste magnífico "Dom Quixote"... mas se me esqueci, peço desculpa) 

Sobre os espectáculos citados deixo excertos dos modestos textos que a propósito deles escrevi para informar os amigos.



RATOS E HOMENS, de John Steinbeck

(...) Na história que Steinbeck criou, o final é um libelo, não contra o trabalhador que só quer defender o companheiro até ao fim, mas contra a sociedade que cria condições para que a tragédia possa acontecer. Mas também sabemos como às vezes os mais miseráveis e despolitizados se tornam injustos e cruéis para os seus semelhantes, principalmente contra os que são mais fracos que eles. O pior e o melhor do ser humano vêm ao de cima nas grandes crises. Steinbeck conseguiu fazer-nos sentir isso e esta belíssima adaptação ao teatro ainda mais. Pondo em confronto os sonhos daqueles homens, de um mundo mais justo e melhor para todos e a realidade cruel de exploração e miséria para a grande maioria. Julgo que foi por isso que outro dia, quando fui ver a peça, a tensão dramática subiu a níveis tão raros que a emoção se instalou no palco e na plateia quando o espectáculo terminou. Isso é grande teatro em qualquer parte do mundo!

12 HOMENS EM FÚRIA, de Reginald Rose

(...) É um microcosmos humano que Reginald Rose no fundo cria entre aqueles 12 homens e nenhum de nós, penso, deixará de o sentir, nele se revendo, por bons ou maus motivos. No fundo é nisso que reside a intemporalidade desta magnífica obra e se nos emocionamos, eu diria quase até às lágrimas, é por vermos que desta vez a inteligência e o humanismo derrotam a ignorância, o desespero acéfalo, a violência dos que não têm outro argumento.

Eu só posso sugerir que não falhem mais este grande e belo espectáculo do Intervalo Grupo de Teatro, com uma direcção de actores que temos que reconhecer magnífica, aliás como habitualmente naquela casa.

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO, de William Shakespeare

(...) Depois de Molière, de Corneille e de outros, chega agora, de novo, uns anos depois, a adaptação do famoso "Um Sonho de uma Noite de Verão" (A Midnight Summer's Dream), de William Shakespeare.
E é excelente, este espectáculo que adapta uma das mais inocentes peças do genial dramaturgo inglês, ou talvez não, em que os maus sentimentos estão praticamente ausentes, tirando uns ciúmes, umas vilanias menores, um pai prepotente e principalmente as confusões que os "deuses" armam para delas tirar proveito... 

Manuel Jerónimo, actor e encenador que já conhecíamos de trabalhos anteriores, magníficos, adaptou o texto e encenou-o. 

O resultado, volto a afirmá-lo, é encantatório, fazendo-nos por vezes sorrir, rir e até rir muito, com as peripécias da acção. 

E tudo acaba em bem, com excepção da peça dentro da peça, com que termina a comédia, tal como no original, e que é por vezes irresistivelmente cómica.

DOM QUIXOTE, de Miguel de Cervantes

(...) O Dom Quixote, de Cervantes, acaba vencido mas a luta dos que sonham com um mundo melhor continuará sempre. Mesmo que alguns de entre nós sejam como Sancho, bons mas crédulos, assustadiços e medrosos, querendo refugiar-se na ideia de que nada pode ser mudado pelos seres humanos, e por isso lhes resta serem interesseiros, só lutando quando nada mais resta a fazer para salvar a pele.

Há nesta dramatização uma dúzia de cenas cheias de força e simbolismo. Entre elas está a que narra o encontro de Dom Quixote com os senhores poderosos, as suas damas e os hipócritas conselheiros e confessores, os representantes religiosos. Desprezam, troçam, desconsideram o cavaleiro andante, Dom Quixote, e o seu escudeiro, Sancho, com a arrogância dos convencidos da sua importância e impunidade. Quem não passou já por isso?

Um dia, porém, "chegará o dia de todas as surpresas".

Lisboa, 26-Out-2017

Egas

















sexta-feira, 24 de novembro de 2017

LITERATURA E CINEMA - II - THE BIG SLEEP

Literatura - À BEIRA DO ABISMO (THE BIG SLEEP) (1939), de Raymond Chandler
Cinema - idem, de Howard Hawks, argumento de William Faulkner (1946)

O LIVRO

"À Beira do Abismo" (The Big Sleep), uma obra-prima do género policial, e não só, editada em 1939.

Um enorme escritor, Raymond Chandler, um dos meus preferidos, qualquer que seja o género que tenha utilizado. O seu herói, Philip Marlowe, é um detective privado, duro, romântico e com uma ética à prova de bala.
A acção do romance decorre no seio da grande burguesia, que nasceu e cresceu com o petróleo e que se afunda num mundo de luxo, inutilidade, desvario e corrupção, com as suas ligações ao mundo do crime. 
O discurso do chefe do Departamento de Pessoas Desaparecidas de L.A., o capitão Gregory, um polícia sem ilusões, reflecte também a amargura do escritor perante a realidade de um país, os EUA, que cerca de 80 anos depois pouco mudou:

"- Sou um polícia, um simples e banal polícia. Razoavelmente honesto; tanto quanto se pode ser num mundo onde a honestidade passou de moda. Foi precisamente por isso que lhe pedi que passasse por cá hoje. Como polícia que sou, gostaria de ver a lei vencer. Gostaria de ver patifes como Eddie Mars estragarem as unhas na pedreira de Folson ao lado dos pequenos marginais que cresceram em bairros miseráveis, apanhados mal puseram o pé em falso pela primeira vez e a quem nunca mais se deu uma oportunidade. Era isso que eu gostaria de ver. Tanto eu como você já vivemos o suficiente para saber que isso nunca vai acontecer. Pelo menos não nesta cidade, nem nenhuma outra com metade do tamanho de Los Angeles em qualquer ponto deste grande e belo país. Pura e simplesmente não o governamos assim." (pág 181)

Marlowe movimenta-se entre várias mulheres que surgem ao longo do romance, às vezes atraído pela beleza de algumas ou pelo que pensa ver nelas.
A obra termina com uma frase inesquecível:

"No caminho para casa parei num bar e bebi dois copos de whisky. Não me ajudaram em nada. Só me fizeram pensar na Cabeleira de Prata, e nunca mais a vi."

Anos mais tarde outro grande autor (1), seduzido pela frase, continuou a história num outro belíssimo romance, revisitação perfeita do espírito de Chandler. 
(1)- Robert B.Parker, em "A Morte Veste de Seda"




O FILME

Com adaptação de outro gigante da literatura, William Faulkner e realização de Howard Hawks, foi terminado em 1946.
Longe da densidade, complexidade e referências politicas e sociais da obra-prima de Chandler, o filme é no entanto uma referência do chamado género policial, pela magnífica realização de um mestre como Hawks e as brilhantes interpretações de Humphrey Bogart e Laureen Bacall, companheiros na vida real que só a morte prematura de Bogart separou.
Parece evidente, para quem conheça o romance, não sentir no filme a implacável mão da censura daquela época nos EUA. As cenas e até as personagens da obra literária mais ligadas a uma crítica política ou sexual foram simplesmente cortadas ou eliminadas. Não esqueçamos que estávamos no pós-guerra, num dos períodos de política mais fascizante nos USA, com o período maccarthista em ascensão e a criação do FBI de Edgar Hoover, com a paranóia das suas perseguições às organizações dos trabalhadores (sindicatos), ao partido comunista e aos intelectuais de esquerda. Obviamente isto tinha um fundo claramente político pois reflectia o crescente poder do grande capital, que pretendia rapidamente dominar a luta dos trabalhadores.

O grande interesse do filme reside por isso praticamente na linguagem e na magnífica fotografia a preto e branco e nas grandes interpretações dos principais protagonistas, de quem aliás a maioria dos secundários não destoa.  O argumento adaptado, embora com a mão do grande Faulkner, está muito longe da densidade do romance de Chandler.









LITERATURA E CINEMA - I - THE MALTESE FALCON

THE MALTESE FALCON (O FALCÃO DE MALTA)


Dashiell Hammett e John Huston: fizeram obras-primas !
Acabei de reler e ver (em casa). São ambos muito bons, o livro (1930) e o filme (1941), embora seja sempre muito difícil passar para o cinema tudo o que está num grande romance e provavelmente a censura, em especial nos USA, a dos ditos bons costumes, deve te-lo proibido... 
Com Humphrey Bogart e Mary Astor.

FILME NEGRO
Malthese Falcon (The) – Relíquia Macabra, de John Huston (USA, 1941) ***** (5)

Uma pequena nota de 2005:

"Foi a estreia em grande estilo de John Huston atrás das câmaras. E mais de 60 anos passados permanece como uma obra que nos continua a fascinar, exemplo perfeito do denominado filme negro (film noir, como lhe chamaram). Com Humphrey Bogart (Sam Spade), Mary Astor (Brigid O’Shaughnessy) e Peter Lorre (Joel Cairo) nos principais papéis, na história trágica de um bando de aventureiros na busca vã de uma desaparecida estatueta, feita de ouro e diamantes.
Filmada praticamente em interiores, a obra deve muito ao argumento do grande romancista norte-americano Dashiel Hammett (1894-1961). E a talhe de foice refiram-se alguns dos principais nomes além de Dashiell Hammett, dessa vertente do romance norte-americano – a do romance negro, que se filia no social para desenvolver as suas por vezes complexas intrigas. Raymond Chandler (1888-1959), Horace Mccoy (1897-1955) e, mais recente,  Ross Macdonald (1915-1983). Gostamos muito de todos eles. Para o iniciado não será de mais lembrar “The Long Goodbye” (O Imenso Adeus), de Chandler, com o seu “herói”, o detective privado Philip Marlowe, ou “No Pockets in a Shroud” (O Pão da Mentira), de Horace McCoy, protagonizado pelo jornalista Mike Dolan, ou “The Sleeping Beauty” (A Bela Adormecida), de Ross Macdonald, cujo principal personagem é o detective privado Lew Archer, além do próprio “The Maltese Falcon”, de Hammett. E o cinema não os esqueceu, com várias adaptações de algumas das suas obras ou sobre eles próprios, como Wim Wenders e o seu magnífico “Hammett”.
Sobre o cineasta (John Huston) e o seu protagonista (Humphrey Bogart), duas figuras maiores da sétima arte, todos os cinéfilos lhes conhecem as carreiras ímpares. Convém lembrar, para os mais novos, que ainda o não tenham visto, que os dois se voltaram a cruzar pelo menos em mais meia dúzia de vezes, uma das quais num outro grande momento de cinema, o famoso “The African Queen” (A Rainha Africana), com Katherine Hepburn no papel da irmã do missionário que com Bogart, um aventureiro que se redime, irão atacar o navio alemão, na Guerra de 14-18. Filme de culto a que o tempo não consegue diminuir a aura. Muitos anos mais tarde Clint Eastwood haveria de relembrá-lo, num dos seus melhores filmes, em minha opinião, “White Hunter, Black Heart” (Caçador Branco, Coração Negro), uma inolvidável homenagem a Huston. *****

Egas Branco, visto na Cinemateca Portuguesa, em 9fev05 "

A seguir vai ser outra obra-prima do romance, The Big Sleep (À Beira do Abismo), de Raymond Chandler e adaptada por Howard Hawks. Primeiro leio e depois vejo. Depois vou passar a outros géneros.