Diário de um modesto espectador, no
FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA (27ª EDIÇÃO) ***** (5)
“DIALOGUE D’UN CHIEN AVEC SON MAÎTRE SUR LA NÉCESSSITÉ de MORDRE SES AMIS” de Jean-Marie Pemme, encenação de Philippe Sireuil (BEL), **** (4)
Votado pelo público do ano passado para Espectáculo de Honra em 2010. Sob o aspecto de farsa, uma crítica social acutilante ao estado desta Europa dita comunitária.
Magnífica encenação e interpretação do dono e do seu cão (Fabrice Schillaci e Philippe Jeusette).
A legendagem electrónica falhou por vezes, descontrolando o acompanhamento dos diálogos, aspecto a melhorar, mas não só no TMA, também noutros espaços onde decorreu o Festival.
“O GINJAL ou O SONHO DAS CEREJAS”, de Anton Tchecov, encenação e Mónica Calle, (POR), *** (3)
Uma encenação moderna da obra-prima de Anton Tchecov, com alguns momentos magníficos – o baile e as cenas subsequentes, até à venda do Cerejal ao antigo feitor.
O exagero histriónico de alguns momentos da representação, pareceu-me não acrescentar nada, bem pelo contrário, à admirável obra do grande escritor e dramaturgo russo. Foi pena.
*** (3)
“DANÇA DE LA MUERTE”, de Ana Zamora (ESP), para Nao d’Amores e Cornucópia, ***** (5)
Extraordinária encenação, baseada em textos medievais, portugueses (Gil Vicente e outros) e castelhanos, tendo como pano de fundo a peste negra, que dizimava milhares de pessoas nos séculos XIV, XV e XVI. Mas também uma reflexão sobre a existência humana. Luis Miguel Cintra foi admirável no principal papel. Um dos momentos altíssimos do Festival.
***** (5)
“UM DIA DANCEI SÓ DANCEI UM DIA”, de Daniel Gorjão (POR), *** (3)
Um dos chamados “Emergentes”, novos criadores no campo artístico, apresenta um trabalho cheio de qualidades, mas com aquelas ingenuidades habituais em quem começa – excesso de efeitos e de “querer dizer muito”. Mesmo com essas limitações, bastante interessante.
*** (3)
“A BALADA DO AMOR E DA MORTE DO ALFERES CRISTÓVÃO RILKE”, poema de Rainer Maria Rilke, música de Viktor Ullmann, recitantes Teresa Gafeira e Luís Madureira, piano João Paulo Santos.
Complementado por “FAÇADE, um divertimento”, de William Walton, recitante Luís Madureira, direcção musical João Paulo Santos, orquestra: flauta, clarinete, saxofone, trompete, vioncelo, percussão
***** (5)
Principalmente “A Balada”, foi um momento excepcional, de rara beleza, com grandes intérpretes.
Viktor Ullmann (1898-1944) terminou esta obra quando já estava preso no campo de concentração de Terezin, donde seria levado para o campo de extermínio de Auschwitz, onde seria morto, como milhares de outros, pelos nazis. O poema, em prosa, é de Rilke, o famoso poeta austríaco (1875-1926), que foi secretário do grande escultor Auguste Rodin.
Outro grande espectáculo do Festival, que a CTA decerto irá repetir no decorrer da próxima temporada e então procurem não falhar.
***** (5)
“LE CHAMBRE NOIRE” (O Quarto Escuro), de Alix Cléo Roubaud, encenação de Julie Binot, interpretação como Alix Cléo de Claire Friscot, *** (3)
Uma obra tocante, homenagem à fotógrafa Alix Cléo Roubaud, baseada no seu diário, que o seu marido recolheu e publicou, diário escrito até falecer, ainda muito jovem, em 1983.
Uma exposição de alguns dos principais trabalhos da fotógrafa, acompanham a peça montada pela companhia “Athra & Compagnie”, de Béatrice Charon e Olivier Papot, que participam na montagem.
*** (3)
“CASIMIRO E CAROLINA”, de Odin Von Horvath, encenado por Emmanuel Demarcy-Mota, ***** (5)
Talvez o grande espectáculo do Festival deste ano, esta encenação da famosa peça de Horvath, pelo jovem encenador com raízes portuguesas (filho da actriz Teresa Mota), actualmente director do Théâtre de La Ville (Paris). Horvath, que foi posteriormente perseguido pelos nazis, tem aqui, antes de eles chegarem ao poder, uma peça que mostra os perigos e o mal-estar que se avolumavam sobre uma sociedade alemã em crise, enquanto os seus personagens se afogavam desesperadamente em álcool e divertimentos frenéticos, na grande Festa da Cerveja, procurando não pensar no amanhã incerto. Grandes momentos de teatro, como a cena dos "monstros".
***** (5)
“FALA DA CRIADA DOS NOAILLES”, de Jorge Silva Melo, **** (4)
Quase um divertimento, culto, do autor sobre uma época, a de Buñuel e de Picasso. Elisa Galvão é magnífica na protagonista, a velha criada dos Noailles.
A peça termina com uma espécie de poema, dito por outra personagem (Madame Schultz) que termina com a frase “A arte não serve para nada. Só para gastar dinheiro”, que infelizmente poderia ser dita por algum dos actuais principais governantes, do PR ao PM, ou dos seus acólitos. Maneira mordaz de fazer cair o pano.
Um prazer.
**** (4)
“YOURCENAR/CAVAFY”, com Charlotte Rampling, concepção de Jean-Claude Feugnet, ***** (5)
Outro espectáculo admirável, que deu primado às palavras, por vezes acompanhadas à guitarra por Varvara Gyra. Foram ditos textos de Marguerite Yourcenar, a grande escritora francesa e do poeta grego Constantin Cavafy, falecido em 1933.
Os poemas de Cavafy foram também ditos na língua original, por um actor, Polydoros Vogiiatzis.
A actriz Charlotte Rampling, que tantas memorias cinéfilas concita, de Luchino Visconti a François Ozon, foi extraordinária na leitura. Por vezes muito belo.
***** (5)
No entanto, por motivos de saúde, ou por já ter encontrado os espectáculos esgotados, fui forçado a faltar a pelo menos a quatro dos que suponho terem sido também grandes momentos do Festival: "Ode Marítima", "Carmen.Eunice.Maria", "Cabaret Hamlet" e "As 10 Canções de Camões", o que não deixa de provocar uma certa frustração...