No ano em que se comemora o Centenário da Revolução de Outubro (1917 - 2017) deixo uma pequena nota, de 2006, sobre um dos mais famosos filmes sobre a Revolução e uma obra-prima absoluta da Sétima Arte, talvez pouco vista dado as cinematecas estarem noutras mãos...
TRILOGIA DE MAXIM, de Grigori Kozintsev e Leonid Trauberg, URSS (1935-1938), ***** (5)
Depois de ter visto a obra-prima de Satyajit Ray “Trilogia de Apu”, agora outra trilogia famosa, constituída pelos filmes “A Juventude de Maxim”, “O Regresso de Maxim” e “O Distrito de Vyborg”, todos com música do grande compositor soviético Dmitri Schostakovich, de quem se comemora este ano o centenário do nascimento (1906).
É uma das mais célebres obras do Cinema Soviético, dos anos inesquecíveis da construção do Socialismo.
Obra-prima que poucas possibilidades temos hoje, e neste país, de ver…
Exibida, em sessões separadas, no ciclo do Cinema Clássico Soviético, na Cinemateca Portuguesa, em 1987, que deu origem ao que talvez seja o melhor catálogo de sempre editado pela mesma Cinemateca, pelo menos no grafismo (obviamente esgotadíssimo…).
Originários da antiga Rússia, hoje Ucrânia, de Kiev - Kozintsev (1905-1973) e de Odessa - Trauberg (1902-1990), os dois cineastas fizeram juntos parte dos movimentos de vanguarda do cinema, nos anos 20 e 30, na URSS.
Sobre a trilogia, diz o referido catálogo da Cinemateca, “há neles (nos filmes da trilogia) uma intrínseca excentricidade, na concepção geral, no tratamento das sequências capitais, na composição interpretativa, que é o contraponto feliz a um argumento muito elaborado, minucioso, didáctico e politicamente comprometido”.
“Tão exemplar (o filme) como o seu herói”, Jean-Marie Carzou, cineasta francês, no Dicionário dos Filmes, da Larousse.
“Maxime é um dos filmes mais importantes realizados na URSS (e no mundo), nos anos 30” no famoso e indispensável Dicionário dos Filmes, de Georges Sadoul.
Esta exibição de agora, no CCB, constituiu um verdadeiro “tour de force”, com a projecção consecutiva dos três filmes, durante quase seis horas, com curtos intervalos entre eles.
As cópias no entanto apresentavam algumas deficiências, em especial a última, com o som em estado menos bom e legendada em francês, mas afinal com melhor legendagem (mais completa) que a electrónica em português dos dois primeiros filmes. Mas apesar de tudo isso, valeu bem a pena a visão desta obra-prima, do cinema em geral, e do Cinema Revolucionário em particular, abrangendo a história de um jovem operário russo entre 1910 a 1919, participante activo da Revolução Socialista de Outubro, um operário que dadas as suas qualidades é encarregue pelo partido, logo a seguir à Revolução, da gestão do Banco da Rússia, tarefa que desempenha como sempre com muita inteligência, num período particularmente difícil para o novo poder, com as contínuas sabotagens dos anteriores dirigentes, afectos ao czarismo e à direita.
Há na obra sequências memoráveis, entre quais o desfile dos operários com o cadáver do camarada morto na fábrica, devido às péssimas condições de trabalho, contra as quais os trabalhadores protestavam em vão, e subsequente violento reencontro com as forças policiais, que reprimem brutalmente o movimento popular; as orgias da dissoluta sociedade czarista; as primeiras e difíceis reuniões de Maxim com os quadros do Banco e as tempestuosas reuniões na Assembleia Legislativa, antes e logo a seguir ao eclodir da Revolução (e por vezes a caracterização política dos intervenientes é tão perfeita, que pareceu-me ver a actualidade); e, talvez acima de todas, o julgamento popular dos envolvidos nas sabotagens, saques e pilhagens, nos primeiros tempos do Poder Soviético, também pelo seu enorme significado político, mostrando a inteligência e sensibilidade com que os dirigentes comunistas que constituíam o tribunal, souberam lidar com as massas, deixando-as exprimir-se, mas explicando-lhes na altura própria, em que casos se deve ser inflexível e quando se deve perdoar.
Admirável obra que o tempo não consegue desvanecer, continuando a ver-se com enorme emoção.
MÚSICA
Um concerto integrado na comemoração do centenário de Dimitri Schostakovich, dirigido por Pedro Moreira, com a Big Band do Hot Club de Portugal, mais músicos da O.M.L., e convidados ***** (5)
Os melómanos, habituados aos concertos requintados e organizados ao pormenor, provavelmente não apareceram (embora o auditório principal do CBB estivesse quase esgotado…)
Confesso o enorme prazer sentido pelas 3 horas que passei no CCB, a assistir a um absolutamente original concerto, de música erudita para jazz e jazz puro (Duke Ellington), através de peças excepcionais escritas para jazz, de Schostakovich, Stravinsky e Bernstein! Logo três dos compositores de que mais gosto! Entre as peças a fantástica “Lost” Suite para Orquestra de Jazz (agora intitulada nº2), de Schostakovich!
Com um palco, também ele próprio, mudando de aspecto a cada peça tocada, com mais ou menos músicos, e com a configuração da orquestra e dos seus instrumentos e lugares continuamente a mudar ao ritmo das necessidades musicais, foi qualquer coisa de único, parecendo tudo quase um enorme improviso!