Literatura -
À BEIRA DO ABISMO (THE BIG SLEEP) (1939), de Raymond Chandler
Cinema -
idem, de Howard Hawks, argumento de William Faulkner (1946)
O LIVRO
"À
Beira do Abismo" (The Big Sleep), uma obra-prima do género policial, e não
só, editada em 1939.
Um enorme
escritor, Raymond Chandler, um dos meus preferidos, qualquer que seja o género
que tenha utilizado. O seu herói, Philip Marlowe, é um detective privado, duro,
romântico e com uma ética à prova de bala.
A acção do
romance decorre no seio da grande burguesia, que nasceu e cresceu com o
petróleo e que se afunda num mundo de luxo, inutilidade, desvario e corrupção,
com as suas ligações ao mundo do crime.
O discurso
do chefe do Departamento de Pessoas Desaparecidas de L.A., o capitão Gregory,
um polícia sem ilusões, reflecte também a amargura do escritor perante a
realidade de um país, os EUA, que cerca de 80 anos depois pouco mudou:
"- Sou um polícia, um simples e banal polícia. Razoavelmente honesto;
tanto quanto se pode ser num mundo onde a honestidade passou de moda. Foi
precisamente por isso que lhe pedi que passasse por cá hoje. Como polícia que
sou, gostaria de ver a lei vencer. Gostaria de ver patifes como Eddie Mars
estragarem as unhas na pedreira de Folson ao lado dos pequenos marginais que
cresceram em bairros miseráveis, apanhados mal puseram o pé em falso pela
primeira vez e a quem nunca mais se deu uma oportunidade. Era isso que eu
gostaria de ver. Tanto eu como você já vivemos o suficiente para saber que isso
nunca vai acontecer. Pelo menos não nesta cidade, nem nenhuma outra com metade
do tamanho de Los Angeles em qualquer ponto deste grande e belo país. Pura e
simplesmente não o governamos assim." (pág 181)
Marlowe
movimenta-se entre várias mulheres que surgem ao longo do romance, às vezes
atraído pela beleza de algumas ou pelo que pensa ver nelas.
A obra
termina com uma frase inesquecível:
"No caminho para casa parei num bar e bebi dois copos de whisky. Não
me ajudaram em nada. Só me fizeram pensar na Cabeleira de Prata, e nunca mais a
vi."
Anos mais
tarde outro grande autor (1), seduzido pela frase, continuou a história num
outro belíssimo romance, revisitação perfeita do espírito de Chandler.
(1)- Robert
B.Parker, em "A Morte Veste de Seda"
O FILME
Com adaptação
de outro gigante da literatura, William Faulkner e realização de Howard Hawks, foi
terminado em 1946.
Longe da
densidade, complexidade e referências politicas e sociais da obra-prima de
Chandler, o filme é no entanto uma referência do chamado género policial, pela
magnífica realização de um mestre como Hawks e as brilhantes interpretações de
Humphrey Bogart e Laureen Bacall, companheiros na vida real que só a morte
prematura de Bogart separou.
Parece
evidente, para quem conheça o romance, não sentir no filme a implacável mão da
censura daquela época nos EUA. As cenas e até as personagens da obra literária
mais ligadas a uma crítica política ou sexual foram simplesmente cortadas ou
eliminadas. Não esqueçamos que estávamos no pós-guerra, num dos períodos de
política mais fascizante nos USA, com o período maccarthista em ascensão e a
criação do FBI de Edgar Hoover, com a paranóia das suas perseguições às
organizações dos trabalhadores (sindicatos), ao partido comunista e aos
intelectuais de esquerda. Obviamente isto tinha um fundo claramente político
pois reflectia o crescente poder do grande capital, que pretendia rapidamente
dominar a luta dos trabalhadores.
O grande
interesse do filme reside por isso praticamente na linguagem e na magnífica
fotografia a preto e branco e nas grandes interpretações dos principais
protagonistas, de quem aliás a maioria dos secundários não destoa. O argumento adaptado, embora com a mão do
grande Faulkner, está muito longe da densidade do romance de Chandler.
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