“CÉSAR DEVE MORRER”, de Paolo
e Vittorio Taviani
Amig@s, recomendo muito a visão deste filme, a surgir
em breve nos nossos ecrãs e que teve ante-estreia para o grande público, na
Culturgest, dia 27-Out-2012, na sessão de encerramento do DOCLISBOA 2012, onde
o pude ver. Houve amigos, que mo recomendaram, que o haviam já visto em sessão
especial reservada aos críticos.
O filme trata de uma
representação da famosa peça “Júlio César”, de William Shakesperare, num
universo concentracionário, o de uma prisão romana de alta segurança, Rebibbia,
em que os actores foram seleccionados entre os presos e grande parte das cenas
são realidade, isto é, pertencem aos ensaios e à representação da peça, dentro
da prisão, para um público que ali foi autorizado a assistir.
A obra parte de um paradoxo: a
luta pela liberdade contra a tirania, é representada integralmente neste filme
por homens que dela foram privados, mas por terem cometido crimes de grande
gravidade, que os levam a cumprir elevadas penas que, nalguns casos, vão até à
prisão perpétua. É óbvio que, no entanto, sentem como qualquer outro ser humano
o pode sentir, nas condições mais diversas, a falta de liberdade.
Neste universo desumano, os
homens perdem muito da sua dignidade, amputados além da liberdade, do amor, das
suas mulheres, cuja presença no filme se sente embora quase invisível.
Entre muitos outros
méritos, cinematográficos também, esta obra extraordinária dos Irmãos Taviani,
faz-nos pensar desde logo na relatividade da liberdade, nos seus limites, no limite
supremo que, em minha opinião, reside na necessidade de defesa da classe
trabalhadora, exército de explorados e oprimidos, que uma vez libertos e
chegados ao poder, através de grandes lutas e sacrifícios, dada a enorme
diferença de meios entre exploradores e explorados, se vê obrigada a limitar a
liberdade dos antigos senhores, sob pena de sabotagens e atentados que
deitariam tudo a perder. E isso, obviamente, também é uma ditadura, para estes.
Um outro aspecto fundamental
que a obra foca é o de homens duros e violentos, capazes de matar e serem
associais (acusados de assassinatos, de tráfico de droga, de associação
criminoso – Mafia e outras organizações, etc) terem aceite participar neste
projecto e nele se empenhando com grande inteligência e sensibilidade.
Recuperando a dignidade como seres humanos.
Por isso a representação da
obra-prima da dramaturgia universal que é “Júlio César”, é nesta encenação por
vezes emocionante, comovente mesmo. É a dignidade de seres humanos, que no seu
passado foram capazes de comportamentos irresponsáveis, que ressurge perante os
nossos olhos.
Lembrei-me de uma das mais
belas obras do revolucionário, político, homem das Artes, que foi Álvaro
Cunhal, em “A Estrela de Seis Pontas”,
em que o escritor narra, através de várias estórias, a sua experiência
de contacto durante o seu cativeiro nos cárceres fascistas por motivos
políticos, com presos de delito comum, dando-nos admiráveis retratos desses
homens vivendo em condições adversas, em geral muito por culpa própria, mas em
que as fraquezas e grandezas do ser humano não deixam de coexistir.
Tudo isto a obra dos Irmãos
Taviani mostra através de imagens que nos impressionam, com uma magnifica
utilização da cor e do preto e branco. A cor, no início e fim da obra, nas
imagens filmadas da representação, nomeadamente da batalha final da peça. O
preto e branco, na vida na prisão, nos ensaios que às vezes se misturam com o
quotidiano da vida prisional. Não há efeitos fáceis, não há imagens
desnecessárias, neste fascinante relato.
Inesquecível entre outras é a
cena em que os prisioneiros de Rebibbia, através das grades das suas celas,
representam o povo de Roma que recebe César, acompanhado dos seus próximos, que
são os actores seleccionados entre a população prisional. Extraordinário a
interpretação de Cassius, por um dos detidos, Cosimo Rega. Tão brilhante que só
no final, no genérico, nos convencemos que se trata de um amador, de um homem
detido em Rebibbia.
Para mim, esta obra é uma das
mais brilhantes incursões no cinema do universo shakesperiano. E também o filme
de que mais gostei entre os vistos até ao momento nesta temporada
cinematográfica.
(Nótula publicada no Facebook)
http://www.google.com/imgres?num=10&hl=pt-PT&biw=1262&bih=634&tbm=isch&tbnid=Zrh0604kdZ4o6M:&imgrefurl=http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/segundo-caderno/noticia/2012/02/berlim-coroa-os-irmaos-taviani-e-seu-shakespeare-entre-presos-3668789.html&docid=aT5U0AuEvRuKcM&imgurl=http://zerohora.rbsdirect.com.br/imagesrc/13054842.jpg%253Fw%253D620&w=620&h=532&ei=fUOVUPyfKZSyhAfzhwE&zoom=1&iact=hc&vpx=399&vpy=315&dur=4022&hovh=208&hovw=242&tx=98&ty=160&sig=105644211311266120942&sqi=2&page=1&tbnh=134&tbnw=159&start=0&ndsp=15&ved=1t:429,r:11,s:0,i:99
NOTA A POSTERIORI
"Penso
que o Neo-Realismo do Cinema Italiano foi uma das grandes contribuições da
Itália para a arte em geral, durante o último século. E fez do cinema uma das
máximas expressões da arte e cultura italianas. Não penso que, como ideia,
esteja a morrer."
(Paolo
Taviani, um dos Irmãos Taviani, autores de "CÉSAR DEVE MORRER", em
entrevista)
Entretanto o filme, obra magnífica, em minha opinião (e não só) o melhor que vimos esta temporada nos ecrãs portugueses e Urso de Ouro da Berlinale 2012 (Festival Internacional de Cinema de Berlim), já estreou.
Já não me
espanto de nada neste país. No entanto registo: estreia numa única sala em
Lisboa (Corte Inglês), reduzida divulgação nos quotidianos com suplementos
especializados, que costumam encher páginas e páginas com outras estreias,
quase sempre de reduzido ou nulo interesse. (OBS: está a ser exibido também no King Triplex)
Em face
disto só me resta pedir uma coisa: Amig@s, se gostam de Cinema e se interessam
pela Cultura, então não percam!
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