EM DIRECÇÃO AOS CÉUS
de Ödön von Horváth (Susak, Fiume, Império Austro-Húngaro, 8-Dez-1901 – Paris, 1-Jun-1938)
Eu ainda não tinha 6 meses quando Horváth morreu aos 36 anos. Caminhava nos Campos Elísios, em Paris, e subitamente abate-se sobre a cidade uma tempestade e uma grande árvore cai, subterrando alguns transeuntes. Um deles era o escritor, que teve morte imediata. Uma ocorrência fatal que parece saída da imaginação fértil do próprio Horváth.
Se falo nisto é porque desconhecia os pormenores, que li nos textos da Companhia de Teatro de Almada, relativos aos espectáculos que sobem à cena. E julgo que a maioria dos meus amigos facebookianos também o desconheceria.
Horváth levou quase toda a sua vida em luta, pelo menos nas suas obras, contra as injustiças da sociedade em que viveu, acabando por assistir horrorizado à ascensão dos nazis no país que considerava seu, pelo nascimento e pela língua, a Alemanha. Mais tarde, perseguido por eles, viria a considerar-se um apátrida e assistido aos “autos de fé” que os nazis fizeram aos seus livros (e aos de muitos outros grandes autores), queimando-os na praça pública, ainda antes de começarem, numa nova inquisição, a queimar seres vivos nos fornos crematórios de Auschwitz e de mais umas dezenas de campos de concentração e extermínio na Alemanha e nos países ocupados. Horváth já não assistirá todavia a essa fase terrível da vida no seu país e em grande parte da Europa ocidental.
Esta peça, escrita em 1934, pertence já à última fase da obra do escritor, em que ele utiliza um humor, quase sempre cáustico, para apontar também os ridículos dos nazis e dos seus apoiantes e mentores, abandonando o retrato, nu e sem ilusões, de obras anteriores, como por exemplo “Fé, Esperança e Caridade”, onde Luísa Cruz era magnífica no papel de uma das heroínas de Horváth que não sobrevivem numa sociedade que o escritor descreve com muito pessimismo. Peça que havíamos visto representada num excelente tele-filme e agora fomos rever, realizado no início dos anos 90, pela RTP, ainda a Televisão Pública não havia descido aos níveis inacreditavelmente baixos do ponto de vista cultural, como aqueles a que assistimos agora, retrato aliás do estado do país a que chegámos e dos seus desgovernantes, os tais “cratinos”, arrivistas e medíocres sem remédio, que urge erradicar.
A encenação de Rodrigo Francisco, para a Companhia de Teatro de Almada, com a magnífica colaboração de toda a companhia, onde para além do trabalho dos actores é justo destacar a cenografia de Jean-Guy Lecat, agradou-nos muito, por sublinhar, julgo que muito bem, as intenções do autor.
Imaginando um S.Pedro (André Gomes) e um Diabo (Luís Vicente) cujas semelhanças são muitas. Levando-nos a crer que, no “céu” ou no “inferno”, seriam facilmente alternativa um do outro. Embora o inferno represente para Horváth a Alemanha dos nazis, os seus guardiões do céu talvez representem a complacência com que os políticos burgueses assistiram à ascensão de Hitler, apadrinhado pelo grande capital germânico.
Horváth já não chegou a assistir, embora o receasse, no que tudo isto veio a desembocar: uma guerra mundial e muitos milhões de mortos.
Mas ao contrário de peças anteriores, nesta há ainda uma esperança para Horváth, ao juntar, na Terra, finalmente um par feliz, a cantora (Ana Cris) que, a partir de certa altura, recusa vender-se e o aparentemente desajeitado assistente de realização (Duarte Guimarães) , que tinha sido recambiado para a Terra, por S.Pedro achar que não tinha lugar no céu, mesmo depois duma passagem pelo purgatório.
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