ROCCO I SUOI FRATELLI (Rocco e Seus Irmãos)
Revisto num ciclo, “EUROPA”, organizado pelo ABC CINE-CLUBE, o decano dos cine-clubes lisboetas, o único dos grandes que conseguiu sobreviver até hoje, felizmente.
Uma das obras-primas absolutas de um Mestre. Luchino Visconti (Milão, 2-Nov-1906 – Roma, 17-Mar-1976), encenador de teatro e de ópera e realizador de cinema. Este filme é ainda da sua brilhante fase neo-realista. Depois viriam outras grandes obras, operáticas, ou não fosse ele também um grande encenador de ópera, como SENSO (Sentimento) e IL GATTOPARDO (O Leopardo), inesquecíveis.
É a história de 5 irmãos – Vicenzo, Simone, Rocco, Ciro e Luca, que emigram do Sul (Sicília), pobre, miserável para muitos, para a grande urbe industrial, do Norte, Milão. Acompanham a mãe, a quem a morte recente do marido torna a vida ainda mais difícil. Vão ao encontro do filho mais velho, Vicenzo, que já vive em Milão, com uma carreira breve e frustrada de boxeur.
Depois é a saga do desenraizamento, da busca desesperada de trabalho, precário e difícil, da luta para sobreviver dos imigrantes numa grande cidade, desumana para os que vivem nas margens e são a maioria.
Visconti, num admirável fresco sobre a quase sempre difícil condição humana, mostra-nos os dois extremos a que se guindam ou em que caiem os homens, fruto principalmente das condições de vida, mas também do seu carácter.
É um retrato no masculino, dos cinco irmãos, na sua luta pela sobrevivência mas em que alguns deles (Rocco e os mais novos) procuram manter a integridade da sua família, os Parondi, num meio hostil. Aliás a obra divide-se em 5 capítulos, um para cada um deles.
A acção passa-se nos anos 50 (o filme estreou-se em 1960), quando o boxe, a “nobre arte”, como então lhe chamavam, se torna motivo das paixões populares, mas também do pior, dos oportunistas, empresários em geral, que se movimentam por trás dele (como no grande circo do futebol de alta competição da actualidade), da corrupção e da exploração, num desporto em que a vida humana corre riscos se não for protegida por regras que contenham a violência.
É um retrato no masculino, mas as mulheres não estão ausentes, em figuras admiráveis.
A matriarca da família Parondi, Rosária, numa interpretação brilhante da grande actriz grega, oscarizada aliás noutra obra, Katina Paxinou (Pireu, Atenas, 17-Dez-1900 – 22-Fev-1973), que alguns consideram ser excessiva, num “over-acting” como se diz em inglês. Julgo todavia que se esquecem que era assim que se comportavam os que conseguiam escapar ao modelo social da “boa educação”, quando deixavam os nervos à solta. O que ainda hoje podemos ver, principalmente nas comunidades que entre nós vivem situações semelhantes de desenraizamento social, quase sempre vítimas aliás de segregação social, exploração e ignóbil racismo – nomeadamente os ciganos e os imigrantes africanos pobres.
E Nadia, personagem desempenhada pela bela e grande actriz Annie Girardot (Paris, 25-Out-1931 – 28-Fev-2011), a jovem que cai na prostituição e tem uma relação fatal com Simone mas se apaixona por Rocco (Alain Delon), num hiato de lirismo, num filme trágico e de intenso dramatismo.
E não esqueçamos Claudia Cardinale, na companheira de Vicenzo, o mais velho dos irmãos, actriz que viria a ser, anos mais tarde a protagonista de outra obra-prima de Visconti, O LEOPARDO, numa das suas mais brilhantes interpretações (lembrar o baile e o jantar no palácio).
História trágica e realista dos dramas da emigração, que também passou por nós e está a voltar também para os europeus neste início do século XXI, perante o retrocesso civilizacional a que o estado actual da Luta de Classes conduziu grande parte do mundo, com o regresso ao poder, nomeadamente neste continente, a Europa, do grande capital e da exploração.
Obra-prima de Luchino Visconti, um comunista por opção de classe, já que era por nascimento um aristocrata. Obra-prima sob quaisquer dos aspectos pelos quais a analizemos – a fotografia a preto-branco de Giuseppe Rotunno, um dos grandes directores italianos de fotografia, a música de Nino Rota, outro nome grande.
Não percam quando puderem, isto é, se alguma vez estiver em exibição perto (ou em DVD, mas isso não é mesma coisa...) e não se assustem com a longa duração da obra, mais de 3 horas na versão original, porque o tempo passa num ápice, tal a intensidade das emoções que Visconti nos transmite magistralmente e nos conduzem inevitavelmente à vida que prossegue fora da sala escura e nos chama para a luta quotidiana. Emoções que nos tocam, a todos julgo, profundamente. E não é um filme pessimista, bem pelo contrário: é nos irmãos mais novos (Ciro, o operário, Luca, ainda uma criança mas já com uma grande aprendizagem da vida e mesmo Rocco, apesar de todo o seu idealismo e sacrifício) que fica a esperança de transformação da vida e também da sociedade, num final da obra comovente.
Ciro
Rocco e Nadia
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