LA VÉNUS À LA FOURURE (Vénus de Vision)
Polanski regressa com mais um grande filme. Embora este cineasta não chegue a ser verdeiramente um mal amado para a crítica de cinema dominante que infelizmente temos (escapa por exemplo o “O PIANISTA”, THE PIANIST... até o PR que temos disse que gostou... mas houve quem começasse por dizer mal. Posso rir?) , mas uma vez mais as reticências que a sua obra provoca são mais que muitas.
Agora, provavelmente, por causa do seu humor muito irónico e quase cínico, que bule com uma certa mentalidade muito conservadora que extravasa das páginas de cinema dos jornais dominantes. Relembremos como foi desprezado o seu recente e extraordinário “THE GHOST WRITER” (O Escritor Fantasma), espécie de ajustes de contas com CIA e FBI, que metia a ridículo o colaborador deles, Blair. Polanski era na altura, de novo, ferozmente perseguido pela justiça norte-americana, como aliás nunca deixou de o ser, a pretexto de “atentados à moral”, nos tempos em que por lá viveu. Dá vontade de rir num país onde se pode fazer tudo e mais alguma coisa desde que se tenha poder e dinheiro...
Polanski tem afirmado que sempre desejou fazer um filme apenas com um par de actores, uma mulher e um homem, num cenário único.
Finalmente conseguiu-o e de uma maneira brilhante, encerrando-nos, a nós seus espectadores, durante 96’ numa sala escura onde vemos um velho palco de teatro, a caminho da decrepitude, no qual dois actores (a bela Emmanuelle Seigner, companheira de Polanski na vida real, como Vanda e Mathieu Amalric, grande actor do cinema francês, no papel de Thomas), se degladiam, numa luta de sexos, com uma certa dose da perversão que a burguesia tanto aprecia mas que, é bem de ver, quase sempre apenas sugerida.
A referência são os textos do austríaco Leopold von Sacher-Masoch (1895-1936), um dos teorizadores do sado-masoquismo (Sade e Masoch) e a peça que sobre esses textos escreveu o autor do argumento do filme, a partir de peça própria, aliás de grande sucesso de público nos palcos nova-iorquinos, provavelmente pelas razões atrás expostas, o norte-americano David Ives. Notar que quase todos os principais participantes na obra são de ascendência polaca e velhos conhecidos - Polanski, Amalric, Ives.
Polanski não esconde nas entrevistas, que se serviu das técnicas digitais para muitos dos efeitos do filme, mas isso passa despercebido a um espectador comum, como eu... E o cineasta também não se importa de multiplicar os planos para conseguir uma obra que prenda irresistivelmente o espectador, até pela inteligência da realização.
Houve quem falasse em “huis-clos”, espaço fechado, a propósito deste filme e isso é até certo ponto verdade, citando-se até outras obras do realizador, como “CUL-DE-SAC” (O BECO), de 1966, e uma das suas maiores obras primas, em minha opinião, que é “A NOITE DA VINGANÇA” (Death and the Maiden), de 1994.
O que não consigo aceitar é o que li numa revista de cinema (aliás a melhor que conheço na actualidade, apesar do seu, às vezes, conservadorismo, que nos espanta, principalmente quando abordam o social ou o político) comparando a personagem feminina da “VÉNUS DE VISON”, Vanda (Emmanuelle Seigner), com a de “A NOITE DA VINGANÇA”, Paulina Escobar (Sigourney Weaver). Relembremos que este filme se baseava numa peça de alguém que colaborou com o governo de Unidade Popular de Salvador Allende, Ariel Dorfman, que consegue escapar aos torcionários fascistas e se exila como tantos artistas chilenos, enquanto muitos outros, mais perto de Allende, são assassinados pelos apoiantes de Pinochet (como o famoso e inesquecível cantor, Vitor Jara).
Sem me querer afastar do assunto relembro só que na obra de Dorfman, a principal personagem feminina, que era uma ex-vítima dos torcionários fascistas do regime de Pinochet, reconhece, por mero acaso, em alguém a quem presta auxílio em sua casa, numa noite tempestuosa, um antigo carrasco das polícias de Pinochet, que a havia brutalmente torturado. Mas ela hesita em vingar-se, acabando por desistir, não procedendo portanto como o tinha feito o seu torturador.
A cena final dessa obra, que não mais saiu do nosso imaginário cinéfilo, mostra vítima e carrasco, numa mesma sala de concertos, anos depois, anónimos espectadores entre a assistência, como se nos quisesse avisar – “cuidado, que eles andam por aí... e se tornarem a ter poder voltarão a proceder da mesma forma”, numa nota inquietante que o realizador gosta de deixar suspensa.
Em “VÉNUS DE VISON”, é a mulher que sai (uma vez mais?) vencedora do confronto de sexos, o que leva um critico a dizer que o final é ridículo (posso rir?). Polanski diverte-se com coisas mais ou menos sérias, e diverte-nos a nós também. nesta obra não em "A DONZELA E A MORTE" (A noite da vingança).
E, por favor, depois, quando o filme acabar e o genérico começar a ser projectado, não saiam dos vossos lugares antes que o projector seja definitivamente desligado e o ecrã fique completamente escuro, porque vão assistir a um desfile final, inesperado e fascinante de obras-primas, que não vou revelar...
A música, de Alexandre Desplat, é magnífica.
Sem comentários:
Enviar um comentário