KILIMANJARO, baseado em Ernest Hemingway, dramaturgia e encenação de Rodrigo Francisco, para a Companhia de Teatro de Almada
A dramaturgia deste espectáculo parte duma obra-prima do conto, "As Neves do Kilimanjaro", que Hemingway (1899-1961) escreveu em 1936, muito longe ainda do desenlance fatal que o afastou de nós quando muito haveria ainda a dizer e a fazer, pensamos. Mas junta-lhe excertos da restante obra do autor ("todas as frases nesta peça são do Hemingway, excepto uma", afirmou Rodrigo Francisco, autor da dramaturgia e da encenação).
Para além das soluções cénicas, do desempenho dos actores, da tensão dramática atingida - tudo magnífico, quase sem falhas, obviamente que o fundamental é a visão que o autor do espectáculo nos quer dar do pensamento e obra do grande escritor, premiado com o Pulitzer em 1953 e com o Nobel em 1954.
E nós espectadores procuramos o fio condutor que liga as várias cenas querendo sentir se corresponde, ou não, às nossas ideias. Se lhe acrescenta até alguma coisa, para nós. Porque o teatro tem, pelo menos na minha opinião, sempre o objectivo de falar da vida. E se assim não for confesso que pouco me interessa.
As inquietações do escritor, a sua busca de realização - na escrita, na vontade de viver (a que alguns chamam espírito de aventura) os grandes acontecimentos do seu tempo, na participação cívica - as guerras em que, pensamos nós, quis ajudar a combater "o mal", a combater o nazi-fascismo, em Espanha e na Europa, no amor, transformam-no num ser humano invulgar, que apesar do seu interesse pelos outros, pela sorte deles, atravessará grandes momentos de solidão.
Por nos ter transmitido parte disto, o espectáculo torna-se também nosso e mais que pela proximidade física aos actores é por aí que nos prende, nos interessa. MUITO BOM!
Mas há mais qualquer coisa que quero dizer: ao pensar no homem que Hemingway foi, ao pensar no amor a Cuba, ao pensar em "O Velho e o Mar" (outra obra-prima entre as várias que criou), ao pensar na inesquecível foto com Fidel (em 1960), ao pensar na Revolução a que assistiu e em que participaram alguns dos seus amigos, tenho pena, muita pena, que não tivesse conseguido ultrapassar as suas inquietações interiores e pudesse, por muitos e bons anos, continuar a ser visto no velho bar de Havana e a escrever sobre os outros ... e sobre si. Faltou-lhe alguém, talvez, que lhe tivesse feito sentir isto, por muito difícil que o seja, como quase todos sabemos.
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