MISS JULIE, de Liv Ullmann, com Jessica Chastain, Colin Farrel e Samantha Morton, um trio de magníficos actores.
O argumento é a adaptação ao cinema da famosa peça homónima do grande dramaturgo sueco August Strindberg (1849-1912), publicada em 1888 mas só estreada em palco em Londres em 1935 e em Nova Iorque em meados do século XX!!!
Muitos consideraram-na então "maldita"... E parece ainda causar alguns perturbações em certos espíritos, como se pode constatar ao ler algumas reacções críticas ao filme, que aliás é magnífico, em minha opinião.
Obviamente há uma interpretação da peça, embora a tente respeitar o mais possível, por parte da carismática actriz de Ingmar Bergman, que o acompanhou até à sua derradeira obra-prima, que é um dos seus mais brilhantes filmes, Sarabanda.
Julgo até que o genial artista não teria desdenhado apoiar o trabalho da sua discípula.
Começa portanto muito bem o ano em termos cinematográficos, com um dos mais interessantes filmes em exibição. Não percam e depois digam-me se gostaram, ou não.
Não vou contar o argumento porque nestas coisas não se deve influenciar os futuros espectadores, mas é verdade que, se o não conhecem, podem lê-lo na Net.
Relembro outra peça de Strindberg que vamos poder rever em Fevereiro, desta vez no teatro, em Almada, com encenação de Rogério de Carvalho para a CTA. Outra vez uma história em que a perversidade está presente. A não falhar portanto O PELICANO, até por que conta também com algumas admiráveis interpretações.
Só gostava de salientar ainda o seguinte: MISS JULIE descreve com uma fortíssima carga dramática uma atracção física, uma relação sexual, assombrada, entre outras coisas, por preconceitos de classe.
Talvez seja afinal essa velha questão da luta de classes que torna o filme ainda incómodo para certas mentes pouco abertas (vide algumas críticas).
Lembrei-me a propósito das obras da escritora inglesa, Anne Perry (Londres, 12-Out-1938), também com o seu quê de "maldita" para a mesma crítica, e no entanto brilhante nas suas descrições de época, da Vitoriana em especial (Rainha Vitória, 1819-1901), ultrapassando em muito pela qualidade das suas obras o género policial a que se dedicou.
Mas também ainda a propósito pensei no despudor, e até na aparente frieza, como os membros da família Espírito Santo, falam, em audições públicas, de mentiras, de negócios muito pouco claros, como se tudo isso fizesse parte de um comportamento civilizado. Um amigo nosso sempre comenta, quando manifesto algum espanto, que "eles" não são iguais a nós, foram educados para agir de outra forma.
Mas isto são reflexões muito pessoais sobre uma obra, a peça e agora a sua adaptação ao cinema, que não deixa de continuar a nos tocar. E é excepcional sobre o ponto de vista de construção dramática, nisso se distinguindo da mediocridade habitual das intrigas mais ou menos vulgares, que o cinema actual em geral nos traz.
NOTA: Este texto foi publicado inicialmente no Facebook
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