Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

COPENHAGA, de Michael Frayn / João Lourenço (Teatro Aberto - 2005)

Recupero um texto antigo que inclui a nota sobre COPENHAGA, de Michael Frayn, um dos grandes espectáculos do Teatro Aberto que vi. Entretanto não deixar de ler sobre o tema o artigo "Materialismo e idealismo na física do final do século XIX e início do século XX", publicado pela cientista Ana Pato, no Caderno Vermelho nº24, saído o mês passado



CINEMA E TEATRO VISTO EM 2005

Razões das escolhas

KAMCHATKA, de Marcelo Piñeyro, **** (ARG - 2002)

Como se pode explicar que um filme tão belo como este seja completamente ignorado pela crítica dos jornais (com as pouquíssimas excepções do costume)? 

Não vi uma única referência a esta obra notável do cinema argentino, concorrente ao Oscar do melhor filme estrangeiro, nos jornais que a si próprios se intitulam de referência (?). Nem uma chamada de atenção no quadro das estrelas do DN, onde entre 20 filmes citados, só 5 ou 6 merecerão uma visão, ou do Público, entre 12 citados, apenas 5 ou 6 eventualmente me interessariam.

Talvez a razão do mistério resida no argumento do filme, que se passa num dos mais sombrios períodos da história argentina recente – a ditadura fascista, do general Videla e outros militares, nos anos 70 e 80 (semelhante ao golpe fascista de Pinochet no Chile, ambos apoiados e financiados pela CIA), visto através dos olhos de uma criança cujos pais, ameaçados pelo regime, fogem e se escondem, até que são forçados a deixar os dois filhos com os avós paternos. Não regressarão, indo engrossar a lista dos milhares de simpatizantes de esquerda, ou apenas democratas, assassinados pelos militares fascistas. 

Tudo isto é apenas entrevisto pelos olhos de uma criança, que desconhece o que se passa, e pela cultura do espectador. A violência brutal do regime, os crimes que cometeu, só nos chegam pelos seus reflexos na vida daquele casal em fuga, mas não deixam de ser por isso menos repugnantes. Admiráveis interpretações de Ricardo Darín e Héctor Alterio (que já conhecíamos do também excelente “O filho da Noiva”, de Juan Carlos Campanella) e Cecilia Roth. 

Alguns dirão que o filme é clássico. Pois é. Mas como classificar as inarráveis historietas (algumas em exibição) que são sugeridas naqueles jornais? ****

BRODEUSES (LES), As Bordadeiras, de Éléonore Faucher,*** (FRA)

Claire (a surpreendente Lola Naymark), uma jovem caixa de um intermarche (trabalho que detesta), a contas com uma gravidez indesejada, e com um grande talento para o bordado. Um filme sensível e delicado, com os grandes sentimentos mostrados discretamente, em surdina, poucos diálogos, mas imagens que prendem irresistivelmente os espectadores. Mas acaba por ser um filme feliz, esta visão, no feminino, das inquietudes da vida. A não perder esta magnífica primeira obra de um novo nome do cinema francês a reter. ***

E porque não bom Teatro?

PODER, de Nick Dear, encenação de Joaquim Benite, Teatro de Almada, ****

De um autor inglês contemporâneo (primeira peça – “Temptation”, encenada em 1984, seguida de mais sete; além disso escreveu libretos para óperas, guiões e peças para a rádio).

Sem pretensão de ensinar história (segundo o autor), a verdade é que a sua reconstituição das lutas pelo poder no reinado de Luis XIV, o Rei Sol, monarca absoluto, é uma magnífica lição, por vezes com muito humor, sobre a época e não só. Então, como hoje, as classes sociais dos ricos e poderosos baseavam o seu poderio na exploração popular, e o seu regime político/económico assentava na corrupção e em lutas, quase sempre sem regras, pelo poder. Vários ajustes sociais foram acontecendo ao longo da história da Humanidade– Naquela época a aristocracia decadente cede o lugar à burguesia. O feudalismo já não dá resposta aos novos interesses económicos que surgem. Mas a exploração dos oprimidos permanece.

Que fazer para mudar isto? As tentativas feitas ao longo da história da humanidade constituíram grandes momentos de mudança, novas relações sociais se estabeleceram, grandes progressos surgiram, mas acabaram por soçobrar, por erros próprios, e pela força do inimigo.

Nick Dear retrata em o “Poder” a ascensão do absolutismo, de que Luís XIV, é o dos exemplos mais frisantes, as lutas pelo poder dos sucessores do todo poderoso Cardeal Mazarino - Fouquet e Colbert, as intrigas e a vida mundana e sexual da corte, cheia de escândalos, traições, adultérios, tudo isso o autor nos transmite em pouco mais de duas horas de fascinante espectáculo.

Falar do alto nível do espectáculo, das soluções cénicas magníficas, que os criadores do Teatro de Almada sempre conseguem encontrar para o seu pequeno espaço, não podendo contar com os requisitos técnicos dos grandes palcos, tornou-se habitual nas encenações desta companhia.

Impossível esquecer esse momento mágico de teatro, o da caçada real e do voo dos falcões. Quanto à interpretação será injusto não salientar, por magníficos, os desempenhos de Marques D’Arede (Fouquet), Francisco Costa (Colbert) e Teresa Gafeira (Ana de Áustria, a rainha-mãe), embora os restantes não destoem. **** 

COPENHAGA, de Michael Frayn, encenação de João Lourenço, Teatro Aberto

Do dramaturgo alemão de que víramos há pouco tempo o magnífico “Democracia”, sobre o final da carreira política de Willy Brandt e uma meditação sobre a democracia. 

A acção da peça “Copenhaga”, passa-se em 1941, na capital da Dinamarca, quando o nazismo estava ainda longe de ser derrotado, e o país havia sido ocupado pelos nazis, como grande parte da Europa.

Os personagens da peça são: o físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) (Luís Alberto) e sua mulher Margrethe Bohr (1890-1984) (Carmen Dolores). O físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976) (Paulo Pires). Três magníficas interpretações de dois grandes actores veteranos e de um novo que se afirma, de trabalho para trabalho, como um dos melhores da sua geração. Peça interessantíssima, com uma força dramática que prende irresistivelmente o espectador. Encenação que não desmerece do conjunto, bem pelo contrário, ajudada pela concepção do espaço criado, que resulta particularmente para um texto que não se pode perder. ****

O tema da peça centra-se na visita que Heisenberg fez em 41 ao seu antigo mestre e amigo Bohr, em Copenhaga, durante a ocupação nazi, e na especulação sobre as verdadeiras razões dessa visita, de que o autor apresenta várias versões. Talvez a mais plausível seja que se tratou de uma tentativa de Heisenberg, que continuava a trabalhar na Alemanha, na investigação sobre a energia nuclear e na sua eventual utilização nas armas de destruição maciça, esclarecer dúvidas sobre essa investigação, o que Bohr obviamente recusou. 

A peça põe pois o problema da investigação científica e do aproveitamento político dela, para fins criminosos. 

Bohr toma claramente uma posição anti-fascista e foge em 43 para a América, antes que os nazis o prendam. A posição de Heisenberg é ambígua, embora tente insinuar (depois da derrota) que de certo modo travou a construção da bomba atómica pelos alemães. Sendo dois cérebros privilegiados da investigação científica, com desenvolvimentos importantíssimos para o avanço da ciência, a sua posição como cidadãos acaba por fazer parte da apreciação que a história faz e fará deles. 

Nesse aspecto um dos aspectos mais interessantes da peça é relembrar-nos que a Dinamarca protegeu “os seus judeus”, fazendo-os fugir e escapar à tortura e à morte nos fornos crematórios alemães. Vivendo nós num país de, infelizmente, horríveis tradições nesse aspecto – a Inquisição da Igreja Católica Apostólica Romana, com os seus milhares de mortos na fogueiras, e a colaboração de Salazar com os nazis – o exemplo da dignidade de certos povos não devia deixar de nos impressionar.

Devemos ainda lembrar que Bohr, contra vontade ou não, porque se assumia como pacifista, acabou no entanto por colaborar com os americanos. E a bomba atómica acabou por surgir. Tendo os americanos num acto injustificável, cedendo à paranóia dos militares ultras, que queriam experimentar a bomba, acabam por lançar duas sobre o Japão derrotado, causando milhares de vítimas civis, num verdadeiro crime contra a Humanidade.

Notas biográficas das personagens principais da peça:

Niels Bohr foi o físico dinamarquês, de ascendência judaica, prémio Nobel em 1922. Em 1913 apresentou uma teoria fundamental para a explicação da estrutura dos átomos; o chamado modelo atómico de Bohr, permitiu explicar por que é que um átomo só emite luz de determinados comprimentos de onda. No outono de 1943 foi obrigado a fugir do seu país natal, para escapar à perseguição nazi, em circunstâncias dramáticas. Refugiado nos EUA colaborou nos trabalhos que levaram à produção da primeira bomba atómica (1943-45).

Werner Heisenberg (1901-1976), físico alemão, um dos fundadores da mecânica quântica. Foi prémio Nobel em 1932. Permaneceu na Alemanha durante o período nazi. Foi em relação aos seus estudos que enunciou os seus famosos princípios de incerteza: quanto maior é o rigor com que é conhecida a posição de uma partícula atómica, tanto menor é a precisão com que se pode determinar a sua energia (ou momento) e vice-versa: quanto maior é o rigor com que se determina a energia de uma partícula, tanto menor é a precisão com que se conhece o instante em que ela possui essa energia e vice-versa.

A mecânica quântica substituiu a mecânica clássica, Newtoniana, para o comportamento das partículas de muito pequena dimensão (na estrutura atómica). Constitui uma teoria física geral válida para as grandezas tão pequenas que dificilmente poderão ser observadas directamente com os instrumentos laboratoriais. Segundo Heisenberg (1925) não podemos fixar sem ambiguidade a posição e velocidade de átomos e electrões, por exemplo, mas apenas considerar probabilidades maiores ou menores para os valores dessas grandezas. Para isso elaborou-se um método matemático especial. Parte importante da mecânica quântica é a mecânica ondulatória, cujo desenvolvimento se deve principalmente a De Broglie e Schrödinger e em que se associa a cada partícula em movimento uma espécie de onda periódica.

Niels Bohr aplicou a ideia dos quanta (1913) à teoria dos espectros atómicos no seu modelo do átomo, o átomo de Bohr.

De salientar que, já em 1905, Albert Einstein para explicar certos resultados obtidos no estudo do efeito fotoeléctricos, considerou a luz (radiação electromagnética) como constituída por grânulos de energia, cada um deles com um quantum de energia. A esses grânulos de luz chamou fotões. 

Ainda sobre MAR ADENTRO, de Alejandro Aménabar, ****

Uma belíssima surpresa (para mim) esta obra de Aménabar, aliás um cineasta já conhecido internacionalmente por outra obra notável – “Os Outros” (que todavia não vi), e que aborda em “Mar Adentro”, com indiscutível sobriedade e delicadeza, o tema da perda de qualidade de vida em certas doenças sem cura e a consequente vontade dos atingidos em porem termo à vida, para deixarem de sofrer. 

A verdade é que a sua obra acaba por se tornar num belo hino à vida (enquanto vale a pena) e ao amor e também à abnegação (às vezes) de alguns dos que rodeiam os doentes quase totalmente dependentes de outrem. E ainda um libelo contra todos os fundamentalismos que, em nome de deuses indiferentes ou ausentes, prolongam desnecessariamente o sofrimento dos outros, para seu próprio prazer (moral ou seja lá o que for). 

Recusando o “rodriguinho”, a comoção fácil, o bilhete postal, Aménabar constrói uma obra sobre a dignidade da vida que nos faz pensar.

Aménabar baseou-se no drama real de Ramón Sampredo (Javier Bardem), um homem natural da Galiza, que ficou tetraplégico (membros superiores e inferiores) aos 25 anos, e durante 28 anos esteve incapacitado, e da família que o rodeia e apoia – pai, irmão, cunhada (Mabel Rivera) e sobrinho – e mais os amigos, entre os quais avultam os desempenhos de Rosa (Lola Dueñas), a mulher que o acompanha até ao fim e o ajuda a morrer, e principalmente a advogada Júlia (fascinante interpretação de Belén Rueda), também vítima de uma doença degenerativa. Todos desempenhos notáveis. E também, e porque não, belas imagens da sua Galiza natal.

Resta acrescentar que este filme foi um enorme sucesso de público e conquistou os principais prémios do cinema espanhol (os Goya), vencendo também o Oscar deste ano para o melhor filme estrangeiro. 

Mas, a propósito do cinema espanhol, que neste país se conhece tão mal, convém relembrar os grandes cineastas espanhóis contemporâneos, que têm obras de que gosto muito, desde os clássicos como Carlos Saura (Caza, Carmen, El Amor Brujo), e Victor Erice (El Espiritu de la Colmena, El Sol del Membrillo), passando aos mais recentes Pedro Almodovar (Mujeres al Borde de..., Habla com Ella), Imanol Uribe (El-Rey Pasmado) ou Fernando Trueba (Belle Epoque). 







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