PEQUENAS NOTAS DE
UM ESPECTADOR DE TEATRO (II)
Para quem goste e
puder. Eu lá vou arranjando tempo para ir vendo algumas coisas de que gosto
muito.
Especial saliência
para dois magníficos espectáculos em Almada, no Festival de Teatro:
Um curioso e interessante "O PAPALAGUI" (homem branco na linguagem samoana), teatralização da obra de Eric Scheuermann, que transcreve os relatos aos seus conterrâneos de um chefe aborígene, Tuiavii, da Ilha de Samoa, na Polinésia, das suas impressões de viagem à Europa, no início do século XX. Uma reflexão sobre as incongruências e irracionalidades da vida ocidental. Admirável interpretação de Habib Dembélé, para a encenação de Hassane Kassi Kouyaté. Relembremos que vimos este grande actor em Almada (2007), em "Sizwe Banzi morreu", uma peça sul-africana, de Athol Fugard, encenada pelo mestre Peter Brook. A visão de “O PAPALAGUI” fez-me vir á memória um dos momentos mais extraordinários da obra-prima do Cinema, “O Novo Mundo”, de Terrence Malick , quando o acompanhante da princesa Pocahontas deambula pelos jardins do palácio.
E um extraordinário
espectáculo de Teatro, "A ÚLTIMA GRAVAÇÃO DE KRAPP”, de Samuel Beckett, um
dos nomes maiores da dramaturgia universal (como Shakespeare, como Brecht, como
Molière, como Tchekov, como Lorca, como Pinter, como Ibsen...), com encenação
de outro génio, o famoso encenador alemão Peter Stein, que voltou este ano a
Almada com dois trabalhos - este e uma peça de Labiche. É um daqueles momentos
mágicos de Almada, que é difícil de superar em qualidade. Beneficiando muito do
actor escolhido para representar Krapp, o ancião que recorda o passado através
do que escreveu e ditou para a fita magnética quando era ainda um homem na
pujança da vida. Klaus Maria Brandauer, grande actor austríaco, que os
cinéfilos recordam da trilogia com o cineasta húngaro István Szabó, nos anos
80, e, pela mesma época na obra-prima de Sidney Pollack, “África Minha” (Out of
Africa), no papel do barão Bror, marido da principal personagem feminina,
desempenhada por Meryl Streep. Este monólogo julgo que demonstra por que razões
o grande teatro tem tanto a ver connosco. Só assim se explica que, sob um céu a
descoberto, cerca de 800 pessoas fiquem no silêncio mais absoluto, presas das
palavras e dos gestos daquele actor, que ocorrem lá ao fundo, no palco do
grande anfiteatro ao ar livre. Há um lirismo intenso nalgumas passagens, de
cenas que a fala dos actores nos faz imaginar, arrastando as vivências e as
experiências das centenas de espectadores que esgotaram o palco grande do
Festival. Maravilha!
(publicado no facebook, em Jul-2013)
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