Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

sábado, 16 de janeiro de 2010

TEATRO VISTO EM 2009 - VIII - Deus Como Paciente

“DEUS COMO PACIENTE, ASSIM FALAVA ISIDORE DUCASSE”, de Isidore Ducasse (Conde de Lautréamont), encenação de Mathias Langhoff, (FRA), **** (4)

Isidore Ducasse (1844-1870), que usou o pseudónimo literário de Conde de Lautréamont, teve uma existência fugaz (faleceu aos 26 anos), mas que ainda deu tempo para escrever uma obra-prima da literatura universal, “Os Cantos de Maldoror”, a partir da qual o encenador de hoje, construiu o seu espectáculo, publicado entre nós pela editora, também ela de algum modo marginal, a “Fenda”.
Mathias Langhoff, nascido na Suiça de língua alemã, em 1941, fez parte do célebre “Berliner Ensemble” de Bertold Brecht, a partir de 1961, dirigindo-o entre 1992 e 1993. Mas também esteve no “Volksbühne”, e trabalha em França há mais de 25 anos.
“Os Cantos de Maldoror” de Isidore Ducasse, é uma obra sobre a abjecção do Homem. Um grito de raiva, pela negativa, contra a exploração de que milhões são vítimas, para gáudio de uns poucos e dos seus serventuários sem escrúpulos. O retrato que Ducasse, Conde de Lautréamont, traça do Homem e da sua odisseia é pouco lisonjeiro para a raça humana, se não se atentar que ele é, acima de tudo é um brado de ira contra a burguesia reinante (ou a aristocracia), e contra o poder da Igreja, ontem e hoje. Não esqueçamos que Isidore Ducasse morreu um ano antes da Comuna de Paris, esse acto revolucionário do Povo da cidade, ao tomar o poder contra tudo e contra todos, acabando três meses depois na terrível chacina dos seus melhores e dos que os apoiaram, homens, mulheres e crianças, que haviam sonhado com um mundo diferente, sem desigualdades, nem injustiças (18mar1871 a 27mai1871).
Langhoff, retoma o tema, conseguindo atingir por vezes um nível como o da obra que adaptou, recorrendo a meios múltiplos para dar ainda um maior grau demencial ao discurso de Ducasse – o palco, num cenário por vezes de um realismo atroz – a cena do cemitério, o cinema, e a projecção das imagens nas cortinas transparentes que envolvem o palco – também com imagens actuais, que Langhoff filmou, dos marginalizados, dos sem abrigo, da Cidade Luz, na mesma rua onde aliás viveu Ducasse no século XIX, ou a barbárie do século XXI, com as Torres Gémeas incendiadas (mas por quem? Ou com a colaboração de quem? Passo decisivo para escalada brutal do imperialismo contra países em zonas económica e militarmente estratégicas do nosso planeta, curiosamente ambos governados por políticos “fabricados” pelo Ocidente - os Talibã no Afeganistão, Saddam Hussein no Iraque, que haviam chegado ao poder da maneira mais sanguinária e brutal, chacinando os que se lhe opunham, causando milhares de mortos entre as forças progressistas, e sempre com o apoio norte-americano. Crimes contra a Humanidade, que os tribunais dos poderosos (Tribunal Europeu) não querem julgar, mas que todavia não prescreverão.)
Os gritos de raiva e desespero, de Ducasse e Langhoff, continuarão a ouvir-se e são por vezes quase insuportáveis (alguns espectadores não resistiram mesmo e abandonaram a sala…).
Uma palavra para a extraordinária prestação dos actores, em especial, André Wilms (Estrasburgo, 1947), actor de teatro e de cinema (principalmente para dois realizadores de quem gostamos também muito, o francês Claude Chabrol, e o finlandês Aki Kaurismaki) e encenador.
Gostaria de fechar com uma frase que li na crónica de Gisela Pissarra (DN), dita (ou escrita) por Mathias Langhoff: “vejo a provocação das lojas de luxo do Boulevard Raspail (Paris), com sapatos a mil euros, e tenho vontade de partir a montra”. Também eu!
A frase, fez-me lembrar o ex-ministro da Economia do governo de Sócrates, o tal Pinho, que o Berardo quer empregar no “seu” museu no CCB (mas que é pago por todos nós), depois da saída atabalhoada do Parlamento, que disse aos jornalistas que tinha ido à feira de calçado, não sei de onde, comprar sapatos italianos, esquecendo-se da lamentável situação dessa indústria no nosso país e dos milhares de desempregados que dela resultaram e que, teoricamente, o ex-ministro iria defender…
Uma última nota: há quem queira pôr em paralelo, para defender um e criticar o outro, os trabalhos de Luc Bondy (“As Criadas”) e de Langhoff (“Deus Como Paciente”). Como muito bem escreve Miguel-Pedro Quádrio, na folha da sessão, citando André Wilms, “Langhoff e Bondy são antípodas estéticos”, “ora os festivais servem para isso mesmo: cruzar abordagens diferentes.”
Embora, eu possa preferir o estilo de um deles, ou possa considerar mesmo que podem não atingir o nível estético de outros grandes espectáculos vistos em Almada em anos transactos, como por exemplo “Peer Gynt”, em 2008, não deixo de os considerar ambos excepcionais.
**** (4)

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