“O DOIDO E A MORTE” (1923), de Raul Brandão, encenações de Joaquim Benite, para a representação da peça pela CTA, e para a ópera de Alexandre Delgado. **** (4)
Mesmo palco, mesmo cenário (magnífico, de Jean-Guy Lecat, para o enorme e belíssimo palco do TMA), um actor comum – Manuel Martins, em Nunes, o secretário do Governador Civil, para as duas representações – teatro e ópera - do famoso texto de Raul Brandão (1867-1930), ideia brilhante de Joaquim Benite e da CTA/TMA. Ambas muito bem conseguidas, com interpretações magníficas.
Quanto à peça, considerada por muitos como uma das grandes obras-primas do teatro português, apesar da sua curta duração, continua a surpreender-nos pela sua modernidade, pela sua crítica, por vezes mordaz, mas também pelo riso que provoca, sobre a sociedade em que vivemos e os seus actores principais: ”Confesso que menti… menti sempre que pude. Toda a minha vida foi uma mentira pegada.” (Governador Civil, perante a hipótese de morrer se o Senhor Milhões chegasse a cumprir o prometido, premindo o detonador da bomba de elevada potência, e perante da fuga de familiares (esposa) e todos os subordinados, incluindo o fiel Nunes), e sobre as profundas desigualdades dessa sociedade, há um século, ou hoje…
Em 1926, quando estreou no Teatro Politeama, em Lisboa, em benefício dos vendedores de jornais, quiseram suprimir-lhe a frase final “Ai o grande filho da puta!”, para não ferir “ouvidos delicados”, provavelmente dos beneméritos presentes, e fizeram descer o pano antes que o actor tivesse tempo de a pronunciar… No entanto, o sentido da obscenidade é ambíguo já que “o filho da puta” (O Doido), está afinal bem mais perto de nós, dos nossos anseios e sonhos, do que quem pronuncia a frase (O Governador).
Eram os tempos agitados dos finais da Primeira República, em que a extrema-direita aproveitava as debilidades do regime, e o descontentamento popular, para criar as condições que lhe permitissem o golpe definitivo contra o regime democrático, já muito periclitante, depois da primeira tentativa, apoiada pelas forças mais reaccionárias, e protagonizada por Sidónio Pais (1917-18). O golpe aconteceu nesse mesmo ano (1926), em 28 de Maio, dando origem ao estado fascista, consolidado com a aprovação da Constituição de 1933, já com Oliveira Salazar no poder.
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